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História 'explosiva' de Jerry Lee Lewis ganha documentário

Em entrevista, casal Ethan Coen e Tricia Cooke contam como construíram um retrato de uma das maiores lendas do rock

Por Jake Coyle
Atualização:

CANNES - Boa parte da indústria cinematográfica achava que Ethan Coen estava cansado de fazer filmes. Ethan também achava. Mas Ethan Coen estreou seu primeiro documentário, Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind (Jerry Lee Lewis: Mente Perturbada), no Festival de Cannes. O filme é um retrato empolgante da lenda do rock e do country, de 86 anos, feito quase inteiramente com imagens de arquivo e apresentações fascinantes – e sem depoimentos.

É o primeiro longa de Ethan sem seu irmão Joel, com quem, durante três décadas, formou uma das parcerias mais coesas e inabaláveis do cinema. No ano passado, Joel fez A Tragédia de Macbeth, filme que ele sugeriu que não interessaria a seu irmão. Ethan agora também está trabalhando com sua esposa, a editora Tricia Cooke, que editou muitos dos filmes dos irmãos Coen.

O casal Ethan Coen e Tricia Cooke Foto: REUTERS/Stephane Mahe

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Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind começou com T-Bone Burnett, seu colaborador de longa data que, em 2019, gravou um álbum gospel com Lewis. O filme, como Coen e Cooke observaram, aborda algumas das partes mais complicadas do legado de Lewis – aos 20 e poucos anos de idade, ele se casou com sua prima de 13 anos, o terceiro casamento de Lewis. Mas, acima de tudo, o filme traz à vida a força impressionante do dínamo musical por trás de Whole Lotta Shakin’ Goin’ On, Great Balls of Fire e Me and Bobby McGee.

Muitos pensaram que você, Ethan, não estava mais interessado em fazer filmes. O que mudou?

Coen: O que mudou é que comecei a ficar entediado. Eu estava com Tricia em Nova York no começo do lockdown. Então, sabe como é, as coisas estavam meio assustadoras e claustrofóbicas. Aí T-Bone Burnett, nosso amigo de muitos anos, nos procurou para perguntar se queríamos fazer esse filme basicamente a partir de imagens de arquivo. Uma coisa que a gente poderia fazer de casa.

Cooke: Foi um projeto de filme caseiro. Somos grandes fãs de sua música. Mas eu tinha alguns problemas com outras partes da vida de Jerry Lee. E ficava, tipo, “não sei se quero tocar nisso”. Mas acabou sendo muito divertido. T-Bone nos procurou duas semanas depois do começo da pandemia, então foi um salva-vidas.

Ethan, o que foi que minou seu desejo de fazer filmes?

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Coen: Oh, não aconteceu nada em especial, pelo menos nada dramático. Você começa novo e quer fazer um filme. E tudo é entusiasmo e empolgação, vamos fazer um filme. E o primeiro é muito divertido. E o segundo também é divertido, quase tanto quanto o primeiro. E, depois de trinta anos, não que não seja divertido, mas é mais um trabalho mesmo. Joel sentiu o mesmo, mas não tanto quanto eu. É um subproduto inevitável do envelhecimento. E os dois últimos filmes que fizemos juntos foram muito difíceis em termos de produção. Muito difíceis mesmo. Então, se você não precisa fazer cinema, chega naquele ponto em que diz: por que estou fazendo isso?

Cooke: Acho que foram muitos filmes de faroeste.

Alguma coisa mudou para vocês, já que estão se preparando para fazer um filme juntos neste verão?

Coen: De novo, acho que é o tipo de circunstância. Terminamos este filme há um bom tempo e ainda estávamos às voltas com ele. Tínhamos esse roteiro antigo e pensamos: “Ah, a gente podia fazer esse. Ia ser divertido”. É o filme que estamos preparando.

Você espera, Ethan, que você e Joel continuem a seguir caminhos separados na produção de filmes?

Coen: Ah, não sei. Seguir nossos próprios caminhos parece soar como coisa definitiva. Mas nada disso aconteceu de maneira definitiva. Nenhuma decisão é definitiva. Podemos fazer outro filme. Não sei qual será meu próximo filme depois desse. Outras coisas podem acontecer, quem sabe?

Vocês sempre pensaram Trouble in Mind como um documentário baseado em arquivo, sem depoimentos?

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Coen: O filme tem uma história anterior ao nosso envolvimento. Foi originalmente concebido como uma espécie de sessão gospel que T-Bone produziu com Jerry Lee em 2019. Ao longo do caminho, eles compilaram muitas imagens de arquivo. E essas imagen continuavam se acumulando. Parecia fazer mais sentido falar sobre Jerry Lee do que sobre essa sessão em particular. E nós fomos mais fundo nessa direção.

O cantor Jerry Lee Lewis durante show em Los Angeles, em 2010 Foto: Fred Prouser

Cooke: Quando T-Bone nos trouxe o material, ele descreveu o que queria como um poema sinfônico. Acho que não fizemos isso (risos).

Coen: T-Bone foi claro sobre querer que o filme começasse com aquela apresentação de She Woke Me Up to Say Goodbye no The Ed Sullivan Show. E ele queria que terminasse com Another Place, Another Time. E aí a gente pensou, “Oh (palavrão), vai ficar incrível”.

Vocês trabalharam sobretudo em filmes de ficção. Já tinham pensado em fazer um documentário? Vocês assistem a muitos documentários?

Cooke: Fiz um pequeno documentário chamado Where the Girls Are sobre o torneio de golfe Dina Shore. Nós amamos documentários. Frederick Wiseman, Maysles e Pennebaker, Barbara Kopple. Todos esses documentaristas mais velhos.

Coen: Você viu o documentário dos Beatles? Que coisa mais fantástica.

Quanto mais nos distanciamos dos filmes e da música da América de meados do século, mais me parece que foi um período de criação fértil que nunca irá se repetir. Tipo: de onde quer que Lewis tenha vindo, é um lugar que não existe mais.

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Cooke: As coisas não são descobertas da mesma maneira. Ir a um clube de blues não era uma coisa a que Jerry Lee tinha acesso quando jovem, mas virou uma paixão incrível. Tudo agora é tão grande, tão global – não que seja uma coisa necessariamente ruim, mas não parece que tem a mesma paixão que tinha nos anos 1930, 40, 50.

Quando você o vê tocando, ele é tão enérgico que você não consegue parar de assistir e de se perguntar de onde ele veio.

Coen: Músicos são malucos. E digo isso da melhor maneira possível.

Cooke: Ele fala sobre a Igreja Pentecostal. É quase como se tivesse superado essa paixão por tocar. Só me lembro de ficar hipnotizada quando começamos a assistir às filmagens.

Coen: Peneirar as imagens de arquivo foi uma bênção na nossa vida, mas também uma maldição. Porque ele fez umas coisas (palavrão) também.

Quais são seus limites pessoais sobre o comportamento dos artistas e a arte que eles fazem? Trouble in Mind tenta não lançar julgamentos.

Coen: Se é um bom filme, é bom por causa disso. O que devemos fazer com essa questão? É uma pergunta legítima. É isso que deixa o filme interessante. Como juntar esse artista magnético a essa pessoa cheia de defeitos? Quero dizer, nenhum dos Beatles se casou com a prima de 13 anos – mas é muito emocionante. Você pensa: “Uau! São figuras culturais gigantescas, mas também meros mortais.” Isso é que é mais alucinante. Jerry Lee é a mesma coisa. Não acho que qualquer pessoa sã vá pedir para cancelar a sua música só porque seu personagem tinha certas falhas. Nós não editamos para dizer ao público o que pensar sobre Jerry Lee. Essas coisas não são receitas para fazer um bom filme, nem prestar um bom serviço a Jerry.  /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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