Irene Atienza apareceu assim, em uma manhã de janelas preguiçosas, no começo da segunda semana de confinamento. Não era um vídeo novo, via-se por seus cabelos mais escuros, mas a voz estava lá. Pude conhecer e escrever sobre essa espanhola devota da música brasileira há uns dois anos, quando a descobri em um bar de samba em São Paulo. Irene veio de Santander, no litoral norte da Espanha. Caiu cheia de suingue flamenco nas rodas de samba do Rio e se juntou a músicos de renome nos bares da Lapa. Ao lado do violonista Douglas Lora, começou a erguer um duo consistente e, em 2018, lançou um discaço chamado Salitre, com a presença de Lenine.
O vídeo repostado na segunda só tem, como todos os vídeos da era pós pandemia, dois instrumentos: voz e violão. Ela e seu violão, e nada poderia ser melhor. Irene canta Chavela Vargas e escreve em seu post: “Um vídeo pré-pandemia, de quando tinha um violão em casa e ainda fumava de manhã. Cantando a minha amada Chavela Vargas. Em breve, o disco novo estará no mundo.” Mandei logo uma mensagem pelo msg do facebook. “Donde estás, mujer?” “Estou em Santander, sim. Na casa da minha irmã, pois meus pais são grupo de risco”, ela respondeu. E vi que já havia outro vídeo, que Irene postou cantando cheia de vida ao lado da irmã, Beatriz Atienza, uma aeromoça que só não se lançou no canto porque os aviões voaram mais alto.
Irene me contou que o vídeo em que canta Chavela é um tira-gosto. O que vem logo aí é ainda mais poderoso, um álbum inteiro dedicado a essa estupenda cantora mexicana dos anos 40 e 50 que faria 100 anos em 17 de abril se não tivesse partido em 2012. Sua voz e o violão de Douglas Lora transbordam. Douglas, esse músico nascido nos Estados Unidos mas crescido no Brasil, tem o poder de falar duas ou três línguas em seu instrumento ao mesmo tempo. Ali está a Espanha e está o Brasil, nas mãos de Douglas e na voz de Irene. O lançamento do álbum, que seria por estes meses, deve ser agora inteiramente digital, ou seja lá qual for essa nova forma nova de relação que alguns músicos começam a inaugurar, algo pós virtual, quando a presença física dos shows ao vivo pode ser sentida em um simples post de facebook.