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Terror se veste com elegância em ‘O Clube dos Canibais’

Guto Parente elege o medo à luz do dia para refletir sobre o horror da elite brasileira em novo longa

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:
'O Clube dos Canibais': suspense trash inteligente faz crítica à hipocrisia Foto: Olhar Distribuição

Em 2010, a Mostra Aurora, de Tiradentes, foi o palco da consagração de Estrada para Ythaca. O filme revelou o coletivo cearense Alumbramento. Deu projeção ao quarteto formado por Guto Parente, Pedro Diógenes, Luiz e Ricardo Pretti. Alumbramento terminou, o grupo dispersou-se, mas a parceria persiste em projetos pontuais. Guto Parente tem sido muito ativo como diretor, autor. Cultiva o cinema de gênero. Assina O Clube dos Canibais, que estreou na quinta, 3. O verdadeiro terror à luz do dia. Luiz e Ricardo assinam a montagem. A Alumbramento sempre fez filmes de processos, com orçamentos mínimos. Guto queria filmar a elite cearense. O Clube é seu filme mais bem produzido, foi feito com orçamento de R$ 170 mil. Muito menos que qualquer B.O., e o dinheiro está na tela. O mau gosto e a vulgaridade da elite. Uma casa de vidro, de frente para o mar, que não funciona sem ar condicionado. “Essa elite é predadora. Não tem a mínima noção de sustentabilidade”, reflete o diretor.

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O início é de pornô. O caseiro viril limpa a piscina. Madame, em pose lasciva, toma banho de sol de biquíni, sorvendo seu drinque com goles de canudinho. O marido anuncia que tem de viajar, ela convoca o caseiro para a cama. Sexo selvagem, um golpe de machado. Corte para o casal que come um suculento bife de carne meio crua. Otávio trabalha na área de segurança - a grande preocupação da elite. Sua mulher - Gilda - vê o chefe dele fazendo sexo com outro homem. Começa a carnificina. Havia, segundo o diretor, a vontade de filmar a elite do Ceará. Por que agora? “Estava na França, fazendo A Misteriosa Morte de Pérola. Pesquisava sobre o terror e uma noite me veio a ideia de um casal canibal, mas o filme só tomou forma quando descobri o livro O Maior Crime da Terra, de Décio Freitas, que conta a história do crime da Rua do Arvoredo. Um casal gaúcho do século 19 fazia linguiça com os corpos de suas vítimas. Comecei a trabalhar nisso e, em 2015, com o agravamento da situação política, a questão social ficou ainda mais relevante. Me senti atravessado pela crise.”

Falar da elite é encarar a desigualdade. Patrões e empregados. As múltiplas conjugações do verbo ‘comer’. Chega Jonas para ser o novo churrasquinho do casal, mas algo se passa para quebrar o ciclo. O Clube dos Canibais possui elementos comuns com O Mal Não Espera a Noite/Midsommar, de Ari Aster. Para o diretor, seu tema é a hipocrisia da elite. “As pessoas defendem valores que não praticam, só querem saber do seu bem-estar. O filme é sobre a diferença entre o ato e o gesto, que fica escancarada e vira terror.” A violência banaliza-se. “Tem a ver com o desrespeito pelo outro. Os muito ricos no Brasil não se importam com os muito pobres. É como se não fossem humanos, não merecessem viver.” 

O elemento fantástico já atingira bom nível em outro filme de Guto, Inferninho. “Para trabalhar com gênero, é importante ter referências. Cresci vendo Sessão da Tarde, Corujão. Tudo está no clima, então a gente já filma pensando numa construção dramática. Fotografia, direção de arte, principalmente num filme solar como esse. Convidei o Rodrigo Aragão, cineasta capixaba especializado em gênero para fazer os efeitos, e ele foi incrível. Trabalhar o gore com certa elegância não foi fácil, mas deu supercerto.”

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