Pedro Almodóvar volta os olhos de novo para as mulheres

Diretor espanhol retorna ao universo feminino com o curta ‘A Voz Humana’, candidato ao Oscar, e também em ‘Madres Paralelas’, seu próximo longa

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Por Sigal Ratner-Arias
Atualização:

Pedro Almodóvar expôs toda a sua vulnerabilidade em seu filme semiautobiográfico Dor e Glória. Agora, ele volta os olhos de novo para as mulheres, não só com seu curta A Voz Humana, candidato ao Oscar que chega aos cinemas americanos nesta semana, mas com um novo filme a ser lançado proximamente em que se reúne com sua musa Penélope Cruz.

Na Espanha. Almodóvar, Penélope Cruz e Antonio Banderas. Foto: Alberto Ortega-Academia de Cine/Handout via REUTERS

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A produção de Madres Paralelas começará em 21 de março em Madri, “se o vírus não interferir”, disse o diretor espanhol, que aproveitou o confinamento e redigiu o roteiro, já que seus planos, no ano passado, de rodar pela primeira vez um filme nos Estados Unidos foram frustrados pela pandemia.

“Retorno ao universo feminino e à maternidade também, um tema que sempre me fascinou. Mas neste caso, as mães que aparecem são bem diferentes das que Penélope interpretou antes”, disse Almodóvar numa entrevista recente pelo Zoom para a Associated Press.

“Estas são mães muito imperfeitas e, como autor, foi isso que mais me interessou, especialmente porque já criei várias mães heroicas e abnegadas. Assim tem um pouco a ver com descendentes, filhos, ancestrais, a família.”

Mas não é só isso que ele tem em mente. Tendo gravado sua primeira produção em inglês com Tilda Swinton, uma adaptação da peça de Jean Cocteau A Voz Humana, ele planeja um outro curta em língua inglesa num gênero que nunca explorou, o western.

“Trabalhar com curtas tem sido muito revigorante para mim. Como recobrar novos ares”, afirmou ele. “Recuperei um pouco da sensação lúdica que filmar era para mim nos primeiros anos, porque eu me concedi mais liberdade do que vinha me permitindo ter ultimamente.”

O curta será lançado nos cinemas na Califórnia, em Miami e Chicago na sexta-feira, 19, antes de ir para outros mercados.

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Almodóvar, de 71 anos, que contraiu a covid-19 antes de a quarentena ter início na Espanha, há um ano, conversou com a AP sobre o confinamento da protagonista de A Voz Humana, as liberdades técnicas que tomou neste filme, como também o papel do streaming durante a pandemia e o seu desejo de trabalhar com Anya Taylor-Joy, estrela da minissérie O Gambito da Rainha.

Você vinha flertando com a ideia de adaptar 'A Voz Humana' há muitos anos. O fato de a história se desenrolar numa situação de confinamento teve alguma coisa a ver com sua decisão de produzir o filme?

A verdade é que tinha esse plano em mente antes de começar o confinamento, mas o filme é, além da história de uma mulher desesperada por ter sido abandonada pelo amante, uma história de confinamento, o fato de não haver nenhuma luz no fim do túnel quando uma pessoa está tão loucamente apaixonada como Tilda Swinton no filme. É uma metáfora destes tempos, porque, primeiro, ela está confinada no set de filmagem que criamos como sua casa, mas depois esse local é parte de um outro espaço fechado onde ela se movimenta como um fantasma, que é o estúdio onde filmamos.

A câmera deixa as paredes do apartamento mais de uma vez para mostrar esse set de filmagem e o equipamento para representar o exterior. Parece uma alusão ao teatro e uma ênfase do confinamento em que nós próprios nos encontramos.

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Como um experimento, realmente quis sair do set e mostrar a importância do artifício cinematográfico - a madeira, a construção, as paredes vazias. Mas foi também não só um capricho visual, mas, por exemplo, o fato de uma mulher estar num terraço olhando a linha do horizonte e ver que não existe horizonte, mas uma parede, dá a impressão de que sua solidão é ainda maior e ela vive no escuro, quase como um fantasma. Além disso, como só há conversas (ao telefone) com fones de ouvido e não se vê com quem ela está falando isso dá à personagem uma sensação muito maior de solidão. Procurei unir algo puramente teatral, que é o monólogo, com alguma coisa essencialmente cinematográfica, que é o local onde o filme é rodado. Não se trata de teatro filmado, mas teatro dentro do cinema.

Tilda Swinton tem um desempenho magnético no filme. Como foi trabalhar com ela?

Eu estava um pouco apavorado em trabalhar em uma outra língua, mas de um lado essa também foi uma das razões para produzir esse curta, o fato de a duração de 30 minutos ser uma espécie de exercício para ver se eu conseguiria dirigir em inglês. Mas a verdade é que a intervenção de Tilda foi chave pois, desde os primeiros ensaios, houve uma química incrível entre nós dois. Um compreendeu o outro desde o primeiro momento e não senti que estava falando numa língua diferente. Afinal, a linguagem que falamos era a linguagem do cinema.

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Seu último curta-metragem foi 'The Cannibalistic Councillor', de 2009. Como se sentiu retornando a esse formato?

Quando terminei Dor e Glória o que eu sonhava era realizar este curta. Não é que eu tenha perdido minha liberdade ao produzir o filme, de forma alguma. Mas as filmagens de uma hora e meia ou duas horas o forçam a fazer algumas coisas que você não deveria ter que levar em conta. Quer dizer, com 30 minutos, me permiti mais liberdade do que em um longa-metragem por um mero fato narrativo.

Como sair do set...

Claro. Eu não posso sair do set quando realizo um longa-metragem, porque não teria sentido como num curta.

Você sempre foi defensor do cinema na tela grande. A pandemia mudou sua percepção do streaming?

Não, mas a verdade é que o streaming preencheu um vazio para mim, já que não podia ver filmes. Em Madri há salas de cinema abertas, mas a programação é muito modesta porque os grandes filmes foram sequestrados pelos estúdios. Mesmo assim, ainda vou uma vez por semana pelo menos. Não sou fã de séries de TV, mas a última a que assisti e gostei muito foi O Gambito da Rainha. Adoro essa atriz (Anya Taylor-Joy). Li numa entrevista que ela gostaria de trabalhar comigo e eu direi a ela que sim.

Pretendo contatá-la e lhe dizer que ela tem uma aparência muito interessante para mim. Ela pode interpretar milhares de personagens diferentes e é uma excelente atriz.

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Acompanhei também a série The Crown, que é um espetáculo real. Minha luta é para que o modelo da sala de cinema não desapareça, mas coexista com a ficção nas plataformas de streaming. É muito importante estar numa sala onde a tela é muito maior do que a da casa onde você vive. Grandes filmes, bons filmes, merecem ser totalmente absorvidos.

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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