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Novos pesquisadores revelam por que 'O Grito' está desbotando

Obra-prima de Edvard Munch foi submetida a raios X e descobriu-se que as cores brilhantes do quadro ficaram brancas

Por Sophie Haigney e NYT
Atualização:

O Grito está desbotando. E minúsculas amostras de tinta da versão de 1910 da famosa imagem de Edvard Munch retratando a angústia foram submetidas a raios X, lasers e até microscópios eletrônicos de alta potência conforme os cientistas recorrem à tecnologia de ponta para descobrir por que partes da tela que eram de um brilhante amarelo alaranjado são agora brancas como o marfim.

Desde 2012, cientistas de Nova York e especialistas do Museu Munch, em Oslo, trabalham na tela – roubada em 2004 e recuperada dois anos mais tarde – para contar uma história de suas cores. Mas os estudos também elucidam aspectos da técnica e da personalidade de Munch, traçando um mapa para que restauradores evitem novas mudanças, e ajudando o público e os historiadores da arte a compreenderem como seria a aparência original de uma das pinturas mais conhecidas do mundo.

Estudo. Desafio é descobrir como garantir a exposição sem prejudicar ainda mais a icônica tela Foto: FOTOS MUNCH MUSEUM VIA THE NEW YORK TIMES

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Cada vez mais, o mundo da arte recorre aos laboratórios para compreender o comportamento de pinturas do fim do século 19 e início do século 20. Os amarelos cromo de Vincent Van Gogh (alguns começaram a ficar marrons) e seus roxos (alguns ficaram azulados) já foram amplamente pesquisados. A paleta de Munch é menos estudada, e os cientistas usam ferramentas avançadas como microscópios de transmissão eletrônica para fazer novas descobertas.

Recentemente, Jennifer Mass, presidente do laboratório de análise científica da arte, no Harlem, cuja equipe está pesquisando O Grito, explicou os princípios do estudo. Ela apontou para uma fotografia que parecia mostrar um conjunto de estalagmites: era a superfície da obra vista sob o microscópio.

“É exatamente o que não queremos ver”, disse ela. Há nanocristais crescendo no quadro, que está com o Museu Munch – evidência clara do desgaste perto da boca da figura central, no céu e também na água.

Restauradores e pesquisadores do Museu Munch entraram em contato com Jennifer, que trabalha como cientista da arte desde a época em que era pesquisadora de pós-doutorado no Metropolitan Museum of Art, em 1995. É também professora do Bard Graduate Center e já fez parceria com muitas importantes instituições de pesquisa.

Eva Storevik Tveit, restauradora de quadros do Museu Munch, disse que a instituição procurou Jennifer por sua experiência trabalhando com o amarelo cádmio, que ela estudou na obra de Matisse, e por causa da alta qualidade das ferramentas científicas à disposição do laboratório dela (um dos colegas de Jennifer, Adam Finnefrock, certa vez levou fragmentos do pigmento verde esmeralda de Cézanne para o acelerador de partículas da Universidade Stanford). E o museu, que será transferido para um novo edifício ainda este ano, precisa descobrir a melhor forma de expor o quadro, equilibrando as preocupações com a sua preservação e a experiência do público.

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O material de Munch foi agora analisado de maneira mais extensa, e a pesquisa, a ser publicada no segundo trimestre, apresenta uma história mais completa do quadro. A equipe de Jennifer conseguiu determinar as tintas que Munch escolhia graças aos tubos deixados por ele (1.400 deles fazem parte do acervo do Museu Munch). Com o passar do tempo e a exposição, o sulfeto de cádmio amarelo oxidou, convertendo-se em dois compostos químicos brancos: sulfato de cádmio e carbonato de cádmio.

De acordo com Jennifer, a análise traz implicações para os quadros do impressionismo ao expressionismo, produzidos entre 1880 e 1920 usando o cádmio amarelo. Ela estima que 20% dessas obras sofram com fenômenos semelhantes.

Jennifer e sua equipe trabalham com clientes como museus, clientes particulares, casas de leilão, feiras de arte e artistas, e objetos tão variados quanto esculturas contemporâneas em ambiente externo nas mansões dos Hamptons e escultura romana antiga. Fazem parte de um nicho no universo da arte – laboratórios chiques que operam fora das grandes instituições, ainda que frequentemente coordenem seus esforços com elas – algo que se tornou mais comum conforme aumenta a demanda por pesquisa científica. Talvez o mais conhecido deles seja o Orion Analytical, de James Martin, adquirido pela Sotheby’s, transformando-se no primeiro laboratório institucional do tipo mantido por uma das principais casas de leilão.

Entre as outras empresas do tipo estão a Geneva Fine Art Analysis, com sede no Porto Franco de Genebra, e a Art Analysis & Research, de Londres. Com frequência, são procuradas por colecionadores ou compradores em potencial interessados em questões de autenticidade.

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As cores do fim do século 19 e início do século 20 estão desbotando particularmente rápido por causa de mudanças ocorridas na produção de tintas. As tintas eram feitas a partir de minerais extraídos do solo e moídos ou usando tinturas extraídas de plantas e insetos. A revolução industrial trouxe a produção de pigmentos sintéticos como o amarelo do cádmio e do cromo, que os artistas misturavam com óleo e solventes. Os artistas começaram a fazer experimentos com esses pigmentos sintéticos, às vezes preparados sem o devido cuidado e sem testes de longevidade, mas seu brilho era excepcional – possibilitando as paletas brilhantes do fovismo, do pós-impressionismo e modernismo.

Naquele momento, muitos artistas abandonavam as técnicas de pintura tradicionais, de acordo com Lena Stringari, vice-diretora e restauradora-chefe do Museu e Fundação Solomon R. Guggenheim, que estudou mudanças na cor e pigmentação na obra de Van Gogh. “Muitos artistas estavam trabalhando ao ar livre, experimentando diferentes tintas e teorias de cor”, disse ela. “Houve uma explosão de cor com a rejeição da academia.”

Isso aumentou a popularidade dos novos pigmentos, disse Jennifer, mas estes eram imprevisíveis. “Não podemos dizer: ah, é uma árvore, então sabemos que a folhagem seria verde”, explicou ela, “porque, no caso de Matisse ou Munch, isso não é necessariamente verdadeiro. Assim, recorremos à ciência”.

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É impossível recapturar essas tonalidades, mas a ciência pode nos aproximar delas. O professor Koen Janssens, do departamento de química da Universidade da Antuérpia, que estudou os pigmentos de Van Gogh, Matisse e outros, disse: “A ideia é tentar reverter o tempo de maneira virtual”. Os restauradores não pretendem aplicar novos pigmentos às telas – mas uma reconstrução digital pode recuperar esse passado. Jennifer prevê um crescente uso da realidade aumentada na restauração, possibilitando que um visitante aproxime o celular de uma pintura para ver suas cores anteriores na tela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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