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TV Cultura exibe documentário sobre embarcação brasileira que naufragou na Antártida

'O Resgate do Mar Sem Fim', produzido e dirigido pelo jornalista João Lara Mesquita, narra a recuperação do barco que naufragou em 2012 na baía Fildes, na Ilha Rei George

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

A TV Cultura exibe hoje, a partir das 20 horas, o documentário O Resgate do Mar Sem Fim, produzido e dirigido pelo jornalista João Lara Mesquita. O filme narra a história do resgate do barco Mar Sem Fim, que naufragou em 2012 na baía Fildes, na Ilha Rei George, Antártida – e já foi visto por mais de um milhão e meio de pessoas na internet.

Cena do documentário 'O Resgate do Mar Sem Fim', com produção executiva, direção e redação de João Lara Mesquita Foto: Mar sem Fim Comunicação

Os episódios ligados ao naufrágio e ao resgate da embarcação, que aconteceu em 2013, seguem vivos ainda hoje na mente de Mesquita. “Foi o evento mais forte da minha vida. Tenho certeza de que será difícil me deparar com outro dessa magnitude”, ele conta, em entrevista ao Estadão. Mesquita é um apaixonado pelo mar. No início dos anos 2000, percorreu toda a costa brasileira. E a experiência da viagem levou à escrita do livro O Brasil Visto do Mar Sem Fim, indicado ao Prêmio Jabuti 2008 na categoria Reportagem, e à produção de uma série de documentários para a TV Cultura. No verão 2010-2011, navegou a bordo do trawler Mar Sem Fim de Santos até a Antártica, para produzir novos documentários. Um ano depois, realizou nova viagem à região – quando o Mar Sem Fim, batizado a partir dos versos de Fernando Pessoa (“O mar português é o mar sem fim”) naufragou após uma série de incidentes.

Cena do documentário 'O Resgate do Mar Sem Fim' Foto: Mar Sem Fim Comunicação

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Fortes ventos

A viagem começara no dia 10 de março, tendo como ponto de partida o porto de Ushuaia, na Argentina. O primeiro desafio foi superado: atravessar o Estreito de Drake, onde os oceanos Atlântico e Pacífico se encontram, o que exige condições meteorológicas ideais. Pouco depois, no entanto, a embarcação precisou esperar a chegada de uma nova peça para substituir outra que se revelara defeituosa. Foi então que, nos primeiros dias de abril, fortes ventos tornaram a navegação particularmente complicada. A essa altura, o Mar Sem Fim e seus tripulantes estavam na Baía de Potter, cercada por geleiras e enormes pedras que podem desprender-se durante tempestades, tornando-se enorme risco para as embarcações. Os ventos chegavam a 95 km/h e as ondas tinham até quatro metros. Ainda assim, Mesquita conseguiu levar o trawler à Baía de Fildes, na Ilha de Rei George, onde, porém, a chegada de um furacão o obrigou a ancorar o barco e, com a ajuda de navegadores chilenos, levar a tripulação para a Base Eduardo Frei Montalva, no Chile. Foram momentos difíceis, mas nenhum tão complicado quanto o instante em que, três dias depois, constatou-se que o Mar Sem Fim não havia resistido à força das pedras de gelo; naufragara, ficando apenas com a proa para fora da água. “Hoje cedo, depois de sair da cama, corri até a janela pensando no sofrimento que meu barquinho enfrentou. Queria saber se ele ainda estava onde o deixamos. Com o coração na boca, vejo que não”, escreveu Mesquita em seu diário de viagem, no dia 6 de abril. “Meu querido Marzão, o barco que alegrou minha vida, um sonho realizado, está cercado por gelo, como de resto toda Baía Fildes. Está momentaneamente vencido. Não pelo vendaval, que ele soube enfrentar com galhardia quando bem tripulado. Mas por imensos blocos de gelo em uma luta desigual, desproporcional”, continuava o seu relato.

O jornalista João Lara Mesquita, que dirige o documentário 'O Resgate do Mar Sem Fim' Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Risco

Mas a tristeza tornou-se logo preocupação. “Eu passei anos defendendo o mar, mostrando disparates na forma como os oceanos são tratados, entrevistando dezenas de professores sobre o tema. Eu abri diversas portas para que essas questões fossem tratadas, inclusive ouvindo especialistas sobre a Antártica. E, de repente, vou para lá e causo um acidente ecológico?”, ele lembra, quase dez anos depois, referindo-se ao risco de vazamento de combustível. “Fiquei em pânico com essa possibilidade.” Os tempos seguintes foram, assim, de “enorme peso”. “Tanto pela sensação de ter perdido o barco quanto pelo problema ecológico que o naufrágio poderia causar no lugar mais preservado do planeta. Um lugar pouco visitado, justamente pelos riscos da navegação.” E, em 2013, ele retornou ao local a bordo do Navio de Socorro a Submarinos Felinto Perry da Marinha do Brasil para o resgate. O documentário O Resgate do Mar Sem Fim narra essa história e a preocupação com o meio ambiente. “Fico feliz que o filme faça sua estreia na televisão exatamente no Dia Mundial do Meio Ambiente”, afirma Mesquita, que se diz surpreso, contente e emocionado com a recepção que o documentário teve na internet. “Não apenas pelo número de visualizações, mas por perceber, por meio dos comentários postados no YouTube, que as pessoas choraram comigo a perda do barco.” Para ele, a chegada de O Resgate do Mar Sem Fim à televisão tem um significado especial. “Eu sempre acreditei que devia uma explicação à comunidade científica sobre o que aconteceu naquele momento. Por isso escrevi um livro sobre o assunto, fiz um site. E agora esse processo se completa com a exibição do filme na televisão.” Mesquita prepara atualmente a terceira edição da série Mar Sem Fim na TV Cultura. E conta que pretende abordar o papel dos oceanos na discussão sobre o aquecimento global. “Com a chegada de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos, essa luta voltou a ser conduzida de forma prioritária. Assim que a pandemia arrefecer, acredito que o aquecimento global será a grande questão a ser discutida internacionalmente.” E, nesse sentido, ele explica, é preciso ressaltar o quanto é fundamental que os oceanos parem de ser maltratados. “Se queremos lutar contra o aquecimento, essa é uma noção importante. Um terço da emissão dos gases de efeito estufa é naturalmente sequestrado pelos oceanos. É preciso engajar o público nessa discussão. Quando falamos em meio ambiente, em especial no Brasil, normalmente pensamos no ambiente terrestre. Mas essa percepção deve mudar. E acredito que a linguagem da televisão tem a capacidade de engajar as pessoas e mostrar a elas como a população pode participar, exigindo atitudes dos governantes. Pois o poder público não age de fato ainda para lidar com o aquecimento global.”

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