Série da Netflix, ‘Dez por Cento’ desvenda com humor relações entre atores e seus agentes

Como acontece com as boas comédias francesas, também esta se equilibra em diálogos rápidos e inteligentes e no comportamento pouco moralista de seus personagens principais

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
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A atriz Cécile de France está contentíssima. Chamada para estrelar o novo filme de Quentin Tarantino, treina equitação, pois o papel exige dotes de amazona. Então, chega a bomba: Quentin pensou melhor e resolveu dispensar a atriz. Ela seria “velha demais” para o papel. Quem vai comunicar a notícia à diva? Este é mote do primeiro episódio de Dez por Cento, série francesa da Netflix, de Dominique Besnehard e Fanny Herrero, em três temporadas de seis episódios cada uma e grande sucesso em vários países, a começar pela França. Tanto assim que a quarta temporada está a caminho. 

A série ambienta-se nos bastidores da indústria cinematográfica francesa e seu star system. Tem por epicentro uma agência de talentos, a ASK, cujo trabalho é arrumar emprego e monitorar a vida profissional (e às vezes pessoal) de atores e atrizes de cinema – dos mais célebres aos aspirantes promissores. Muito da graça da história deriva do fato de que astros e estrelas de verdade interpretam a si mesmos em cada episódio. Revelam seus talentos, suas fraquezas, egos pouco administráveis e não têm medo de assumir clichês associados a seus nomes. 

Cena da série 'Dez por Cento', da Netflix Foto: Netflix

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Dessa forma, no primeiro episódio, estamos diante de uma atriz famosa, que sente o inevitável processo de envelhecimento, mais cruel na indústria cinematográfica que, com suas câmeras digitais, escaneiam cada ruga ou bolsa sob os olhos. Cécile encara duas alternativas para enfrentar o peso dos anos. Ou o faz com dignidade, conformando-se a papéis condizentes com sua idade real ou enfrentando o calvário das técnicas artificiais de rejuvenescimento, que vão dos cremes mágicos e outros macetes a custosas e doloridas cirurgias plásticas. 

Em seu episódio, Isabelle Huppert “encarna” uma atriz workaholic, que marca vários compromissos ao mesmo tempo. Trabalha para uma produção norte-americana de grande orçamento e com a qual assinou contrato de exclusividade, mas aceita ao mesmo tempo papel em um pequeno filme de arte francês. As atividades são incompatíveis e, ainda por cima, a atriz marca uma entrevista na TV para o mesmo horário das filmagens. Todos sabem que Huppert é mesmo fanática por trabalho e não recusa uma oportunidade. Ou seja, Huppert é Huppert e interpreta a si mesma, com bom humor. 

Em outro capítulo, Juliette Binoche deslumbra-se ao ser convidada para apresentar o Festival de Cannes, mas luta corpo a corpo (literalmente) com um vestido que teima em não entrar em seu figurino. 

Assim, as estrelas ironizam a si mesmas e mostram-se mais próximas do público ao assumir defeitos (reais ou imaginários) a elas atribuídos pelos fãs, jornalistas de fofocas e detratores. Conta-se que os autores da série tiveram dificuldade inicial em conseguir a adesão das celebridades. Mas estas, diante do sucesso dos primeiros episódios, se mostraram cada vez mais receptivas a interpretar versões críveis de si mesmas. 

A outra parte da graça da série está na composição da própria agência de talentos. Há o sócio mais experiente, maquiavélico e implacável, Mathias (Thibault de Montalembert), a hiperativa Andréa (Camille Cottin), o sincero e um tanto atrapalhado Gabriel (Grégory Montel), a veterana e sábia Arlette (Lilliane Rovère). Entram também em cena a bela secretária, atriz de teatro nas horas vagas e desejosa de seguir carreira artística, e a novata que chega do interior tentando entrar no mundo do cinema. Mais tarde, surgirá um sócio capitalista, tubarão dos novos tempos que colocará toda a sistemática da empresa em xeque. 

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Como acontece com as boas comédias francesas, também esta se equilibra em diálogos rápidos e inteligentes e no comportamento pouco moralista de seus personagens principais. Representa a afirmação de uma cultura francesa que tenta sobreviver aos modos de gestão norte-americanos, dominantes também neste setor globalizado que é o cinema. Dez por Cento é a porcentagem recebida pelos agentes sobre os ganhos dos artistas cujas carreiras administram. Dinheiro suado. 

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