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Série brasileira 'Magnífica 70' estreia na HBO

Produção tem como eixo o cinema nacional da Boca do Lixo durante a ditadura; veja trailer comentado

Por Cristina Padiglione
Atualização:

Uma sequência de legendas explicativas abre a série Magnífica 70, produção nacional de TV que estreia neste domingo, 24, às 21h, em 13 episódios. O texto informa que a história a seguir se inicia em 1973, período de ditadura militar no Brasil, em que os direitos civis estavam suspensos. O didatismo é recurso normalmente adotado por canais abertos, mas raro numa HBO, canal premium, presente nos pacotes mais caros de TV. A introdução, no entanto, reconhecem os produtores da série, faz-se necessária, indício de que as novas gerações mal têm referências dos anos de chumbo no Brasil e carecem de contextualização.

Mas o produtor e diretor-geral da série, Cláudio Torres, garante que a breve explicação sobre o período se encerra nesses segundos iniciais. Realizada pela Conspiração Filmes, Magnífica 70 vai ao ar pela HBO de toda a América Latina e retrata o universo da Boca do Lixo, como ficou conhecido o período no cinema nacional produzido no centro de São Paulo na época.

Trio. Adriano Garib, Simone Spoladoree Marcos Winter Foto: DIVULGAÇÃO

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Baseada em um argumento de Tony Marques que nunca foi filmado, e originalmente seria uma comédia, o roteiro desse drama traz Marcos Winter no papel de Vicente, um censor formado em contabilidade, que arruma um cargo na Censura Federal graças à indicação do sogro, o general Souto – papel de Paulo César Pereio. Vicente é subordinado à Doutora Sueli (Juliana Galdino), clara referência à Doutora Solange, personagem real de quem tantos músicos, diretores e autores não têm boas lembranças: era ela quem dizia o que podia e o que não podia ser dito, cantado e encenado, sob argumentos quase sempre inaceitáveis para os criadores daqueles dias.

Vicente é marido de Isabel (Maria Luísa Mendonça). O casal transa no escuro, sempre de acordo com a temperatura da mulher, que tenta engravidar e atender à pressão do general por um neto. A inventividade sexual nula de Vicente é compensada em seu expediente diurno: em uma sala escura, ele assiste a filmes e mais filmes, apertando a campainha para cada corte ordenado ao operador da fita, que vai colando marcações a serem executadas pela Censura. Ao ver o longa A Devassa da Estudante, que mistura nudez num colégio de freiras lésbicas, Vicente manda vetar o filme inteiro.

A fita é protagonizada por Dora (Simone Spoladore), com produção de Manolo (Adriano Garib), um ex-caminhoneiro a quem Larsen (Stepan Nercessian), verdadeiro dono da produtora, confiou a missão de responsável por sua empresa de filmes no cenário da Boca do Lixo. A trajetória da produtora e do censor se cruzam após o veto ao filme. Vicente fica atormentado com a semelhança entre Dora e uma ninfeta com quem se envolveu. Ao ver o casal no Departamento de Censura, implorando por uma revisão do filme, resolve ajudá-los. Escreve uma cena final para ser acrescentada ao longa e acaba dirigindo a sequência em um cemitério. Resumo da ópera: o censor vira diretor de cinema.

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“Essa história não tem o desejo de contar a história da Boca, mas de contar como esses personagens eram sugados pelo cinema, numa época como aquela”, define Roberto Rios, produtor da HBO. “O que mais atraiu a gente para essa história é uma premissa que já vem com um conflito muito forte”, define Carolina Jabor, que assina a direção dos episódios. “A tentação da liberdade num censor da Polícia Federal já expõe a repressão e o desejo: as séries precisam disso”, conclui.

Carolina ressalta ainda que nenhum personagem da série é “uma coisa só”. “Todos têm uma vida dupla: O Vicente é o censor que se apaixona e vira diretor, a Dora é uma vigarista que se apaixona por ser atriz. O Manolo vira produtor depois que a casa caiu como caminhoneiro, e tem a história do passado dele” (Manolo recorre ao candomblé para reverter sua impotência sexual, mas o trabalho não funciona; em troca do papel solicitado por Dora, ele não lhe pede sexo, apenas que ela finja ser casada com ele). “O Cláudio procurou encontrar essa ambiguidade dos personagens”, completa Carolina.

O fato de Manolo não entender nada de cinema não foi um meio de compensar a imagem do censor, que também não é do ramo. “A formação da Boca do Lixo foi um pouco assim, de investidores, gente que tinha sobrado de outras profissões”, cita Rios. A diretora endossa: “Não há formação de cinema no Brasil. Hoje tem alguma coisa que melhorou um pouquinho, principalmente em São Paulo, mas em 73, era uma loucura, entrava-se no cinema por acaso. Meu pai tem formação de advogado”, cita, em referência a Arnaldo Jabor. Profissional que viveu intensamente aquele cenário, Alfredo Sternhein atuou como consultor principal da série, do preceito principal aos detalhes.

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