Houve um tempo em que
O Encouraçado Potemkin
, de Sergei M. Eisenstein, e
Cidadão Kane
, de Orson Welles, se alternavam nas listas de melhor filme de todos os tempos. Ora era um, ora o outro. As coisas começaram a mudar na era da internet. Pesquisas mais recentes apontaram
O Mensageiro do Diabo
, de Charles Laughton, e
Vertigo/Um Corpo Que Cai,
de Alfred Hitchcock, como os melhores filmes já feitos (em diferentes listas). Mas o historiador Eric Hobsbaum não estava sozinho ao dizer que a cena da escadaria de Odessa em
Potemkin
- os puristas dizem Potiônkin - proporciona os sete minutos mais influentes do cinema. Todo Eisenstein, com suas teorias da montagem, está ali sintetizado. Vale lembrar. Eisenstein pertencia a uma família aristocrática. Seria um integrante do velho mundo que a revolução russa queria banir. Ele queria, mais que tudo, ser reconhecido como revolucionário. Stalin e seus asseclas o tinham na conta de formalista.
Em 1925, vitoriosa a revolução, as autoridades do regime comunista quiseram celebrar os 20 anos dos levantes de Odessa. Foi ali que se gestou a semente do movimento que acabou com o czarismo na Rússia e colocou a classe trabalhadora no poder. Stalin terminou criando outro absolutismo, mas isso foi depois. Eisenstein fez o filme que seu tempo reclamava. Uma peça de propaganda. Em Odessa, ele ficou fascinado pela escadaria de acesso ao porto. Resolveu encenar ali a cena mais famosa de O Encouraçado Potemkin. O filme mostra a revolta dos marinheiros no encouraçado do título. Cansados da comida podre que lhes é servida, eles se rebelam. A população de Odessa os apoia e tudo converge para a cena da escadaria, quando os cossacos, armados, acabam com os protestos a bala. Eisenstein criou a chamada montagem de atrações. Duas imagens justapostas criam uma terceira no inconsciente do público. O filme, e a cena da escadaria, expõem suas ideias sobre a montagem. A imagem mais famosa é o do carrinho do bebê que desce os degraus desgovernado. Woody Allen a recriou como paródia em Bananas e Brian De Palma fez sua versão a sério em Os Intocáveis.O Encouraçado Potemkin terá sessões nesta sexta (8), 22h, e no sábado (9), 20h30, no canal Arte 1. Serão boas oportunidades para reavaliar o legado de Eisenstein. Simultaneamente, ocorreu o lançamento brasileiro, quase 60 anos depois, da antologia de textos de André Bazin, O Que É o Cinema? Bazin privilegia o cinema do real, que nasceu da fotografia como registro, e agora com movimento. Para ele, o cinema mais valioso se estrutura na profundidade de campo e no plano-sequência. Eisenstein fazia outra coisa. Era o que Bazin chamava de 'construtor de imagens'. Pode ser mera provocação, mas e se Bazin estivesse certo? Afinal, a propaganda sempre constrói uma mensagem subliminar o inconsciente do público, não? Provocações à parte, Potemkin tem força, mesmo que não seja o melhor filme já feito.