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'Não podia olhar nada, que tudo era Engov para mim'

Luis Gustavo conta como criou o merchandisisng nas novelas e fala sobre o sucesso de seu Beto Rockfeller

Por Alline Dauroiz
Atualização:

O que Beto tem de tão especial? Foi uma novela que surgiu, quando até então só se faziam novelas "cucarachas". Beto era atual, moderna. Foi uma novela feita com mais de 80% das cenas externas, sendo que os locais de gravação eram verdadeiros, ninguém havia pensado em fazer isso. Outra grande força era que, às vezes, a notícia que estaria no Repórter Esso, era anunciada pelo Beto. Era pulsante, atualíssima. Então terminava uma cena, jogavam a lata de videotape no carro e saíam arregaçando o asfalto, para chegar na emissora e botar aquilo no ar. O Paulo Ubiratan montava as cenas às pressas. Não havia aquela coisa de cortar as arestas, ia tudo para o ar. A interpretação dos atores era descontraída. E tinha uma história muito bem engendrada, escrita pelo Bráulio Pedroso.   Você se lembra do primeiro capítulo? O Sérgio Cardoso já estava no ar com a novela Antônio Maria. E o primeiro capítulo do Beto Rockfeller, era o Beto entrando em casa, onde estava toda a família assistindo a Antônio Maria, e ele diz: "Mas que coisa chata esse Antônio Maria desse Sérgio Cardoso, essa novela mexicana. Vamos jantar que dá mais certo." E o Sérgio Cardoso, que gravava num estúdio ligado ao meu, saiu para brigar comigo (risos). Logo que estreou foi uma revolução.   Censura cortou capítulos? Estávamos sob a ditadura de Ernesto Garrastazu Médici. Eu e Plínio Marcos íamos para Brasília, para sofrer insultos de todas as espécies. Eles apontavam para a mesa cheia de papéis e falavam: "Olha aí, seus merdas, essa pilha de papéis é de ocorrências de delegacias do Brasil inteiro, que estão querendo copiar vocês." E a gente levava cusparada na cara. Só não podíamos levar surra, nem ser presos, porque estávamos no ar. Os generais ameaçavam o Edmundo Monteiro, o Cassiano Gabus Mendes. Então, tomávamos cuidado em fazer as coisas com ironia. Por outro lado, eles nada podiam fazer, porque o capítulo não podia parar nem por cinco minutos. A gente fazia e ia para o ar. Não havia tempo de assistir antes.Era como se fosse uma novela ao vivo.   Porque o filme e a segunda versão da novela não fizeram sucesso? O filme foi um fracasso. E aquela segunda versão, A Volta de Beto Rockfeller (1973) era tudo jogada comercial. O público sentiu que aquilo não tinha nada a ver com a novela. Era outra linguagem, careta, tudo gravado, estruturado, desfile de moda... uma porcaria. Só fiz por dinheiro.   Como surgiu o Beto? Eu estava com o Cassiano numa boate chamada Dobrão e, ao lado, tinha uma mesa com umas 30 pessoas da alta sociedade paulistana. Era aniversário de uma menina lindíssima que estava na mesa. Nisso, entrou um camarada com uma roupa muito descolada, simpático, cumprimentava todo mundo, pegou flores do arranjo do balcão e deu para a aniversariante. O cara ia lá, batia nas costas dos caras, tirou a aniversariante pra dançar, pediu uma música...e acabou levando a menina embora (risos).  Eu fui até um amigo que eu conhecia daquela mesa, o Arnaldo Gasparian, e perguntei: "Quem é esse cara?". E ele: "Não sei. Está todo mundo perguntando. Um pensa que é amigo do outro". Acredita que o cara era um bicão? Aí o Cassiano disse: "Bicão não, ele é um puta personagem". Então saímos da boate com a idéia, o personagem, o ator, que era eu, e o homem com poder de decisão na TV (Cassiano, diretor da TV Tupi).   E o nome? O Cassiano disse que ele deveria ser um nome curto, apelido de um nome comprido, mas que o apelido fosse pobre. Coisa assim como Zé. E um sobrenome chique, como Onassis. Então a novela ia se chamar Zé Onassis. Aí o Cassiano falou: "Ah! Pode ser Beto, de Alberto. Porque Beto é nome de jogador de futebol." E pensamos no Nelson Rockfeller, que era um nome bem comprido e sofisticado. Então ficou Beto Rockfeller.   E porque o Cassiano não escreveu a novela? Ele não podia, estava dirigindo a emissora. E como ele queria uma coisa diferente, chamou o Bráulio Pedroso, um jornalista que tinha saído do Estadão. Ele tinha sido atropelado, estava todo engessado, sem dinheiro e morava na garagem da casa da Ruth Escobar. E o Cassiano sugeriu que o Bráulio escrevesse três capítulo, com a ajuda do Paulo Ubiratan, que iria escrever à maquina tudo o que o Bráulio ditasse. E o Cassiano queria um ator para dirigir, para que não tivesse compromisso com técnica, crítica, nem nada. E chamou o Lima Duarte.   E a história de você ter feito o primeiro merchandising da TV? O (empresário) Dirceu Fontoura, que não perdia um capítulo da novela, me chamou porque ia lançar um remédio, o Engov. E propôs que cada vez que eu falasse a palavra Engov dentro da novela, ganharia 3 mil cruzeiros. Eu enlouqueci, porque ganhava 900 cruzeiros por mês e não recebia. Não podia olhar nada, que tudo era Engov pra mim (risos) Só num capítulo, falei 33 vezes a palavra Engov, sendo 22 por telefonema para o Vitório (Plínio Marcos). E eu fui chamado pela direção da TV Tupi. Foi aí que começou a minha briga com a Tupi. Foi um pau, pedi demissão. Depois voltei só para fazer os último capítulos. Só sei que quando terminou a novela eu fiquei desempregado por dois anos anos. E me virei porque tinha guardado um dinheirinho do merchandising. O Boni não me chamava para a Globo, porque eu era a imagem da TV Tupi. Ninguém me chamava para trabalhar, porque eu era o Beto Rockfeller.

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