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Mutantes temperados por Machado de Assis

Por Mário Viana
Atualização:

Os sinais estão trocados na Record. Amor e Intrigas, a novela da estreante Gisele Joras e que vai ao ar às 21 horas, tem uma trama mais adulta do que a "novela das dez", Caminhos do Coração, de Tiago Santiago. Tradicionalmente, quanto mais tarde começava uma novela, mais apimentada ela seria. Quem era criança não podia assistir e ponto final. Víamos escondido, é claro, e nos deliciávamos com produções clássicas como Assim na Terra como no Céu (1971), O Bofe (1973), Saramandaia (1976) e a melhor e mais ousada de todas, O Rebu (1975). O modelo mudou. Vejamos o caso das duas produções da Record. Escrita por uma iniciante, Amor e Intrigas reúne um incrível número de truques dramatúrgicos: irmãs rivais, sendo uma boa como anjo e a outra, má como diabinha; filho à procura da mãe; ricaça malvada e núcleo de humor popular, etc. Pode-se reclamar, mas novela é assim, brinca com os chavões e os ganchos folhetinescos e dá ao público variações do mesmo tema. O que diferencia uma novela da outra é o toque do autor principal, que monta as tramas e reúne um grupo de bons colaboradores, responsáveis pelos diálogos. Gilberto Braga e Aguinaldo Silva fazem isso. Gisele Joras começou bem. Os diálogos de sua novela têm boa fluência e não parecem cutucar a boca dos atores. Já Tiago Santiago optou por brincar com os diálogos de história em quadrinhos e dos seriados. É uma aposta arriscada e, para muitos atores, deve ser um problemão falar aquelas barbaridades com carinha de coerência. Mas o ibope mostra que funciona, tanto que a novela cresce em audiência e em número de capítulos, prestigiada pelo público infanto-juvenil. O autor de Caminhos do Coração já misturou Heroes com Lost, salpicou a telinha de mitologia grega e, agora, pelo visto, aproxima-se do conto O Alienista, que Machado de Assis escreveu em 1881. Nele, um médico de vilarejo radicaliza tanto em diagnosticar a loucura alheia que acaba internando a aldeia toda em seu hospício. É o que acontece na novela, que ganha novos mutantes a cada semana. Se Machado for imitado à risca, o fim da maquiavélica doutora Júlia (Ítala Nandi) será uivar para a lua, com os caninos salientes, enquanto a multidão de mutantes se beija, feliz para sempre. e-mail: mvianinha@hotmail.com

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