Fim da FilmStruck: mau presságio sobre os serviços de streaming?

O serviço online de filmes clássicos da Warner chegou ao fim - e isso pode prenunciar uma nova era para o conteúdo de profundidade nessas plataformas

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Por Steven Zeitchik
Atualização:

WarnerMedia anunciou, nesta sexta-feira (26), que está encerrando o FilmStruck, o serviço de filmes clássicos que angariou um grupo de seguidores fiéis em dois anos de existência. O comunicado foi feito pela manhã.

Ao meio-dia, os assinantes se manifestaram. E eles estavam bravos.

FilmStruck: o serviço destreamingda Warner voltado a clássicos cinematográficos foi encerrado Foto: Reprodução

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“Nada além de desprezo pelo Sr. Potters, que está fechando o FilmStruck”, escreveu o jornalista Richard Brody, da revista americana New Yorker. O repórter fez parte de uma rara quase unanimidade nas reações da comunidade de cinéfilos do Twitter.

FilmStruck foi lançado em novembro de 2016 como uma iniciativa da Turner Classic Movies. A ideia não era somente agregar uma grande gama de filmes de coletâneas aclamadas, como a Criterion Collection e a Janus Films (Spartacus, 8/12, Os 39 Degraus e clássicos modernos como Cidades dos Sonhos estavam todos disponíveis). Era também prover uma experiência de curadoria, com comentários e recomendações.

A Turner e Warner Bros. Digital Networks lançaram uma declaração apontando que eles estavam “incrivelmente orgulhosos da criatividade e das inovações produzidas pelas equipes talentosas e dedicadas que trabalharam na FilmStruck nos últimos dois anos”.

Isso provocou reações em usuários tarimbados, como Rian Johnson, diretor de Star Wars: Os Últimos Jedi. “FilmStruck era muito bom para durar. Eu o vejo flutuando para longe do terreno baldio carbonizado que é 2018”, Johnson tuitou logo após o anúncio. Barry Jenkins, diretor de Moonlight: Sob a Luz do Luar,vencedor do Oscar de melhor filme em 2017, estava irritado de forma parecida.

E fãs menos célebres também não esconderam seu desgosto. “Terrível, terrível, terrível. O serviço quase nem teve chance de encontrar seu público antes dos executivos puxarem das mãos dos seguidores”, escreveu um deles.

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O número de usuários não foi divulgado - a WarnerMedia afirma que eles não eram altos - mas fãs do serviço tinham um carinho profundo por ele. Muitos dizem que era o único serviço de streaming que eles assinariam, enquanto outros apontaram que eles pagariam de bom grado mais que os 11 dólares mensais ou 99 dólares anuais pela inscrição.

A WarnerMedia não explicou o encerramento, mas sugeriu que o fato do serviço não cativar um público mais amplo foi grande parte da motivação. “Ainda que FilmStruck tenha uma base de fãs muito leais, ele permanece como um serviço de nicho”, disseram no comunicado.

Posto que a empresa, sob o novo comando da AT&T, requisitou que a HBO entrasse mais no negócio de massa e também fechou o serviço de comédias fora da casinha Super Deluxe, a ação não é exatamente surpreendente.

Mas faz cair por terra aquela que era a prerrogativa chave sobre streaming desde sua concepção - e ainda prediz uma onda de mudanças maiores, guiadas por mentes mais corporativas, que está por vir.

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Quando a era do conteúdo original em serviços de streaming começou, há pouco mais de cinco anos (com o lançamento da Netflix de House of Cards), uma grande suposição foi reforçada: as produções de nicho podem e vão sobreviver. A ideia era que o entretenimento tradicional necessita de marketing e distribuição em massa e, dessa forma, tipicamente requer uma base de consumo maior. Mas os custos de streaming são muito mais baixos e a habilidade deste de encontrar uma audiência, muito mais acurada - um sismógrafo ao invés de uma orelha colada no chão. Então que viesse o nicho.

Nicho e qualidade nem sempre são sinônimos, é claro. Mas eles frequentemente estão juntos, excelência desatrelada dos grandes números de vendas. Por anos a Hollywood comercial tentou, não sem dificuldades, prover os dois ao mesmo tempo. O argumento por trás do streaming - não só FilmStruck, mas também outros serviços - e dúzias de séries da Netflix era que isso não era necessário. Eles poderiam buscar qualidade sem precisar estar ligados a sucessos voltados ao grande público.

Assim os usuários acabaram por receber uma ampla quantidade de séries boas, porém peculiares. Claro, ocasionalmente uma Stranger Things surge do pacote da Netflix. Mas, com frequência muito maior, uma Santa Clarita Diet se encontra bem acomodada por lá.

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Cena da sérieStranger Things, sucesso de público da Netflix Foto: Netflix/Divulgação

A nova fase de streaming, com companhias como Disney mergulhando com marcas a la Marvel, será diferente. Vai haver mais dinheiro, mais expectativas, e menos espaço para serviços de nicho nos grandes conglomerados.

O modelo de franquia que permeou o entretenimento tradicional está a caminho. E esse tsunami pode muito bem varrer o que veio antes. Certamente, a WarnerMedia prevê serviços próprios para o próximo ano. Claramente tipos como FilmStruck e Super Deluxe não estão entre eles.

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Se esta ação rememora o fim de muitas eras tecnológicas que acabaram com uma onda de dominância das corporações, é porque ela realmente está ligada a isso. Essa postura está relacionada com várias mudanças do passado, como a internet baseada no texto escrito dando espaço para o momento da Yahoo, AOL e outras grandes marcas. Ou sites de jornalismo de alta qualidade se consolidando em favor de vídeos e memes.

O comunicado oficial da FilmStruck acerca de seu fechamento pode ser lido dessa forma: por mais que tenhamos alguns usuários muito leais, o algoritmo mostra que nossos clientes realmente querem ser servidos com alguma estupidez da qual ninguém gosta

No próximo mês, a Netflix vai lançar a temporada final de House of Cards. Os últimos cinco anos trouxeram, às pencas, programação e entretenimento de maneira com poucos precedentes na história - se é que tem algum.

O ator Kevin Spacey interpretava o inescrupuloso político Frank Underwood, na série da NetflixHouse of Cards Foto: Reuters/Mario Anzuoni

Sem dúvidas bons programas vão continuar a ser feitos por novos serviços, e as empresas vão encontrar maneiras de oferecer conteúdo de profundidade por preços baixos. Mas conforme as somas de dinheiro crescem e as expectativas vão cada vez mais alto, idealismo quanto ao formato pode ser estar em situação mais frágil que um programa social de Frank Underwood. /Com Washington Post

 

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