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Filme ‘Lazzaro Felice’ é um ensaio sobre a natureza humana

Fábula sensível da diretora italiana Alice Rohrwacher põe em foco as relações de poder e a importância da bondade

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Por Redação
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É um sinal dos tempos que um filme como Lazzaro Felice, vencedor do prêmio de roteiro em Cannes, chegue ao Brasil e à maior parte do mundo diretamente na Netflix, tendo tido apenas exibições no cinema em festivais. Curiosamente, o terceiro trabalho de ficção da italiana Alice Rohrwacher foi motivado em grande parte pelas mudanças que viu na sociedade à sua volta – ela mora na pequena Orvieto, de 20 mil habitantes, nem tão distante assim da Inviolata do longa, uma comunidade rural mantida em sistema feudal pela Marquesa Alfonsina De Luna (Nicoletta Braschi). 

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“As pessoas de Inviolata são como meus vizinhos, que tiveram de se reconstruir”, disse a diretora em entrevista ao Estado, no Festival de Zurique. “Queria falar dessa transformação, mas não queria mostrar o passado como um lugar de nostalgia ou de terror.” A parte em que os moradores da fazenda ficam isolados no tempo e no espaço ocorreu realmente na Itália, mas Rohrwacher acredita que isso se passa o tempo inteiro. “Está acontecendo na África e no Brasil e na Inglaterra, com poucas pessoas usando seu poder para manter outros na ignorância.” 

Apesar de se basear nessa história verdadeira, Alice Rohrwacher não fez um filme exclusivamente realista. Os lavradores de Inviolata temem lobos que comem gente e rios rasos que engolem pessoas que ousam atravessá-los. Nesse espaço, há lugar para Lazzaro (Adriano Tardiolo), um rapaz com cabelos e olhos de anjo de uma ingenuidade e pureza tão grandes que ele é confundido com alguém limitado intelectualmente.

O ator estreante Adriano Tardiolo é o ingênuoLazzaro Foto: Simona Pampallona/Netflix

Como o personagem bíblico que ressuscita, o Lazzaro do filme reaparece no futuro, com a mesma aparência de sempre “Quis fazer uma parábola pagã”, explicou Rohrwacher. “Para que víssemos essa história com o olhar de fora do tempo, com um olhar com o qual não conseguimos nos identificar. Minha proposta é que o espectador não seja Lazzaro, mas olhe para ele e veja se consegue se reconhecer de alguma maneira.” Assim, Lazzaro faz a ligação entre dois períodos da história, reencontrando as pessoas da fazenda anos depois, na cidade, em situação nada melhor do que quando eram servos feudais. 

Encontrar o ator para fazer o personagem que vê o mundo com tanta inocência foi difícil. A diretora queria que os habitantes de Inviolata fossem atores não profissionais, e os que eram de fora, profissionais – isso muda na segunda fase, quando entram no elenco Alba Rohrwacher, irmã da cineasta, e Sergi Lopez. Adriano Tardiolo era apenas um estudante que foi encontrado pela equipe e que nunca tinha pensado em atuar – na verdade, ele resistiu bastante ao convite. “Só o convencemos quando dissemos que não se tratava de se exibir, mas de buscar algo”, disse a diretora. 

Tardiolo é um dos trunfos de um filme que desafia classificações, bem como a diretora gosta. “O filme é político, poético, comédia ou drama. Tudo tem de ser um slogan”, afirmou Alice Rohrwacher. “Tudo o que não se compreende completamente de imediato fica com você, permanece vivo.” 

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