Fernanda Montenegro e Fernanda Torres retomam delicada parceria em 'Gilda, Lúcia e o Bode'

Após sucesso em 'Amor e Sorte', mãe e filha voltam a interpretar personagens em especial que vai ao ar no dia 25; veja vídeo com trechos da entrevista com as atrizes

PUBLICIDADE

Por Adriana Del Ré
Atualização:

Metódica, Lúcia só quer proteger a mãe que, com 90 anos, está enquadrada no grupo de risco na pandemia. Gilda, por sua vez, com seu estilo hippie herdado dos anos 1970, só quer viver sua vida livremente, sem regras. Na quarentena, elas invertem os papéis de quem cuida e de quem é cuidada. Mas quem realmente cuida de quem? A jornada das duas, confinadas na serra, reconecta a relação de mãe e filha. Reaproximam-se, pelo amor e pelo afeto, mesmo tão diferentes no modo de pensar e agir. De bônus, ganham a companhia de um bode, arrematado por Gilda numa rifa. Essa é a história central do episódio Gilda e Lúcia, interpretadas por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres na série Amor e Sorte, que foi ao ar em setembro – mas que pode ser (re)visto no Globoplay e, no dia 23, às 22h, no GNT. 

PUBLICIDADE

Corta para o especial de Natal Gilda, Lúcia e o Bode, que será exibido no dia 25, na Globo, após A Força do Querer. O Brasil está na fase pós-vacina. Mãe e filha voltam para o Rio, levando o bode Everi a tiracolo. Lúcia está desempregada e volta a morar com a mãe. Executiva do mercado financeiro em São Paulo que recebeu a missão de fazer demissões na pandemia, ela própria entrou na lista de demitidos. As finanças estão em colapso. Elas precisam alugar a casa na serra para ter uma fonte de renda. 

Mas Gilda segue com sua filosofia de vida. “A mãe nunca se apavora com coisa nenhuma, porque sempre tem uma saída no mundo. O negócio é não entrar na estrutura. Isso é uma herança dos anos 70: vamos pra vida, vamos gozar a vida, vamos dar ao corpo o prazer que ele quiser ter, porque a vida vai resolver o impossível desse momento”, diz Fernanda Montenegro, aos 91 anos, sobre sua personagem Gilda, em entrevista ao Estadão por Zoom, com a filha, Fernanda Torres. “É muito interessante esse diálogo, que não é feito de uma forma profunda, mas é jogado dentro da comédia de costumes”, ela continua. “A filha fala uma hora: ‘mãe, essas dívidas são impagáveis’. Aí a mãe fala: ‘ué, dívida impagável você não paga (risos)”, complementa Fernanda Torres, uma das roteiristas do especial com Jorge Furtado e Antônio Prata

Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, com o bode, apelidado nos bastidores de Zequinha Montenegro. Foto: João Faissal/Globo 

Nessa nova realidade em que se encontram, o embate entre as duas acontece em outro campo. “Elas tinham uma diferença ideológica, e aqui, na relação do dinheiro, uma aposta na solução pelo jogo do azar e a outra aposta em algo supostamente seriíssimo, que é o mercado financeiro, que também é um cassino louco”, comenta Fernanda Torres. 

Gilda, Lúcia e o Bode promete mais doses de ternura e humor. Foi o único episódio de Amor e Sorte a ganhar continuação. E agora as Fernandas dividem os holofotes com o bode, apelidado de Zequinha Montenegro, “o melhor ator de todos”, brinca Fernanda Torres. “A gente está batalhando por um prêmio de revelação de ator do Zequinha Montenegro.” Numa dobradinha bem-humorada com a filha, Fernanda Montenegro emenda: “Deve ser o meu bisneto”.

Para falar sobre Gilda, Lúcia e o Bode, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres conversaram com o Estadão pelo Zoom, separadas fisicamente, a partir de suas respectivas casas, no Rio. Mas nem mesmo a distância digital abala a sintonia entre as duas. Há um respeito, uma admiração mútua, de duas grandes atrizes, mãe e filha, que se enveredaram por caminhos diferentes na carreira, mas que, vez por outra, se cruzam profissionalmente em produções como Casa de Areia, com ambas em cena; O Juízo, com filha assinando roteiro e mãe atuando; e na TV, no episódio Gilda e Lúcia, da série Amor e Sorte e, seu derivado, o especial Gilda, Lúcia e o Bode, que vai ao ar no dia 25, em que voltaram a contracenar. 

Em Amor e Sorte – que trazia episódios independentes com outros atores confinados juntos –, elas comoveram o público reproduzindo a relação que têm na vida real, de mãe e filha, mas no campo ficcional, na pele de outras pessoas. Há, claro, o fator identificação em relação ao eterno conflito entre pais e filhos. Mas existe uma cumplicidade em cena tocante entre as duas. O episódio delas repercutiu. 

Publicidade

Fernanda Torres conta que esse sucesso foi uma surpresa: “Acho que as pessoas se identificaram muito com as relações de família, porque as pessoas na pandemia estão confinadas com suas famílias. Acho que nunca conviveram tanto com a própria família. Os filhos tendo de ser meio pais dos pais, tendo de cuidar, porque há o tal do grupo de risco. Os pais danados da vida que têm 90 anos como a mamãe, com saúde, nessa hora que era para estar usufruindo do mundo, da vida, vira grupo de risco. Todas essas tensões e diferenças, tanto ideológicas quanto políticas, acho que o especial um pouco falava disso, de como resolver essas diferenças através do afeto”. 

Fernanda Montenegro em cena no especial com o neto Joaquim. Foto: João Faissal/Globo 

Logo após a boa repercussão do episódio, elas lembram, Silvio de Abreu, então ainda diretor de Dramaturgia da Globo, lançou a ideia de uma continuação, com Gilda e Lúcia no Rio – e com o bode. “Estávamos confinados lá em Petrópolis, já de três para quatro meses. A família unida ali. E, quando veio a ideia, da qual a Nanda participou também como autora, foi uma festa no sentido de uma terapia boa, ocupacional. A gente deixou de pensar o que fazer, para onde ir, quando vem vacina, só na conversa sem parar, sem parar... Quando veio a possibilidade do trabalho, desligamos todos os piores momentos de ausência de nossa casa no Rio, ou do nosso trabalho em estúdio ou nos palcos”, diz Fernanda Montenegro. “Aí começamos a fazer o nosso programa ocupacional. Graças a Deus, não falamos mais do tal do vírus maldito, ou numa situação qualquer política deste país sempre confuso, e brincamos como se nós fôssemos crianças criadoras. E deu certo.” 

Naquele momento, em Amor e Sorte, a produção do episódio foi resultado de uma força-tarefa familiar, todos isolados no sítio do clã: as atrizes; o diretor artístico Andrucha Waddington, marido de Fernanda Torres; os filhos do casal, Antonio e Joaquim; o enteado de Fernanda Torres e filho de Andrucha, Pedro; além do amigo deles, o fotógrafo João Faissal. Agora, em Gilda, Lúcia e o Bode, novamente com direção artística de Andrucha e direção de Pedro Waddington, a equipe é “profissional”, como diz Fernanda Torres.

“Uma equipe reduzida, mas profissional, que se quarentenou uma semana, testou, todos confinados num hotel em Santa Teresa, de onde saíam para gravar. A gente se testava de três em três dias. Aula com infectologista sobre os perigos de como pegar”, afirma a atriz. Joaquim Waddington ganha mais espaço na história como Dimas, que ajuda Gilda e Lúcia a levar o bode de volta à serra. O elenco conta ainda com agregados, incluindo nomes como Arlete Salles, Fabiula Nascimento, Muse Maya e Kelzy Ecard. “Acho interessante, porque nos unimos à moda arcaica, a família da commedia dell’arte, dos grupos familiares que vêm pelos anos, pelos séculos afora. E mesmo quem se junta vira família”, ressalta Fernanda Montenegro.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O episódio retrata um País na fase pós-vacina – em Amor e Sorte, a história já dava indícios disso quando Gilda escondeu de Lúcia que a vacinação contra o coronavírus já havia começado, para poder ficar mais tempo com a filha no isolamento. “Isso foi uma questão muito discutida com Andrucha, com Jorge (Furtado), que é: tinha de resolver esse período pós-vacina. Ao mesmo tempo que a gente está com a curva aumentando, do jeito que está, há uma segunda onda, provavelmente uma mutação desse vírus, porque as pessoas estão se reinfectando”, diz Fernanda Torres. “No Natal, fazer um especial onde não existe mais isso... então, a gente discutiu de ter um mundo pós-vacina, mas que também ainda não é inteiramente livre da máscara. A Lúcia, quando vai ao centro da cidade, usa máscara, há ainda uma ameaça.” 

E como estão as expectativas delas em relação à vacinação no Brasil? “Confesso que passei um ano administrando a ansiedade”, responde Fernanda Torres. “Quando vier, eu vou tomar. Se não vier, vou continuar vivendo assim. Estou controlando essa ansiedade, porque está durando mais do que o suportável.” Fernanda Montenegro diz ter esperança. “A gente tem que ter o que eu chamo de uma esperança ativa, porque há uma esperança passiva: ‘ah se Deus quiser’. Deus só vai querer se você se mexer e chegar lá. Não é só uma invocação. Digo que é esperança ativa. Temos de ter isso na consciência e nos posicionar. Não é possível, diante de tanta morte, de tanto horror. O País está descalibrado, sem cabeça, sem união, sem propósito de atendimento social, de atendimento humano, humanista. É uma coisa que nunca vi. Não conheço ninguém que não viva ansioso, há um perigo geral com esse vírus”, diz. “Se tem uma vacina, tem que ter uma coordenação em torno do fenômeno da salvação do ser humano.”

De volta a Gilda e Lúcia, elas não mereceriam ganhar uma série própria? Fernanda Torres conta que se chegou a falar sobre o assunto, mas que, com esse formato, há uma sensação de que as personagens entrariam numa “espécie de mecânica de seriado”. “Eu já fiz dois seriados, mamãe já fez seriados. Existe uma espécie de mecânica que talvez perca esse lado impressionista do Gilda e Lúcia, para a gente transformar numa coisa semanal, coisas acontecem. Aí a gente brinca que talvez seja um especial para acontecer em momentos festivos, em datas comemorativas: o Dia das Mães, a Páscoa, o carnaval.”

Publicidade

A conversa com as atrizes também passou por outro tema: as denúncias de assédio sexual e moral contra Marcius Melhem, ex-chefe de Humor da Globo, feitas por Dani Calabresa e outras mulheres, na emissora. “Acho que por um lado se demitiu alguém que estava criando um ambiente tóxico de trabalho. Fiquei até surpresa, porque não tenho essa experiência em nada do que eu fiz nos últimos 20 anos na Globo, não tive nenhuma experiência assim lá. Foi demitido, mas acho que o que as pessoas que estiveram envolvidas nisso tiveram necessidade foi de explicitar a razão, porque acho que é uma hora em que essas questões de gênero, de respeito ao outro estão precisando ser explicitadas, para que fique claro que nem toda cantada é um elogio. E nisso a imprensa é um braço importante nesse sentido”, diz Fernanda Torres que, assim como a mãe, sai em defesa de Monica Albuquerque e Jazette Guedes – que receberam as denúncias internamente na emissora –, por, segundo a atriz, contribuírem “para uma humanização dentro da empresa”. 

“Acho que a cada minuto se ganha, o movimento feminista ganha. Acho que, se não foi no ideal em torno do processo de reivindicação da verdade do acontecimento, ao menos caminhou. Caminhamos. A Dani tem todo o direito de se posicionar, contestar e exigir uma atitude clara de defesa dos direitos existenciais da mulher. Não foi ainda resolvido nesse caso, de uma forma ideal, mas a verdade é que o Marcius foi para a rua. Ficou pendurado esclarecer já agora, mas talvez a partir deste momento o próximo que acontecer já vai ser esclarecido dentro de uma realidade de reivindicação feminista”, opina Fernanda Montenegro. “Acho que o movimento ganhou, mas ganhou muito.” 

Veja trechos da entrevista com as atrizes:

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.