Em 2011, a HBO iniciou uma série baseada num conjunto de livros cuja intransigente legião de fãs tinha enormes expectativas. Game of Thrones exigiu, além da condensação de uma vasta narrativa, a visualização de magias como voos de dragões e a criação de um mundo abrangendo continentes.
A nova série da HBO, A Amiga Genial (My Brilliant Friend), baseada nos romances napolitanos muito populares de Elena Ferrante, é um desafio diferente, mas não menor. Trata-se da história de uma amizade ardente e cheia de rivalidades entre duas garotas de um subúrbio operário italiano nos anos 1950. A série é tão intimista quanto Game of Thrones é abrangente.
A primeira temporada, que estreia neste domingo, 25, às 22h, é ambientada em grande parte num prédio de apartamentos com áreas comuns, como pátios, escadas e varandas. Embora marcado pela violência, o prédio vive um drama mais interiorizado, envolvendo famílias em conflito e alianças que se formam e se desfazem. Todos vivem muito próximos e ninguém escapa de fuxicos e olhares enxeridos.
Para quem já leu os livros, a primeira temporada corresponde ao primeiro dos quatro romances napolitanos de Ferrante e se mantém próxima do original. Para quem está chegando agora, trata-se da história de Elena Greco, conhecida como Lenù, e de Rafaella Cerullo, a Lila. Elas criam uma forte amizade no primeiro ano da escola que frequentam, situada num bairro pobre e poeirento da periferia de Nápoles.
Lenù (vivida por Elisa Del Genio enquanto criança e por Margherita Mazzucco como adolescente) é estudiosa, reservada e elogiada por todos. Lila (Ludovica Nasti e Gaia Girace) é tremendamente esperta, dona de um carisma desafiador e de olhos negros proféticos e intensos. São duas garotas brilhantes vivendo numa comunidade que não sabe como tratar garotas brilhantes.
À medida que ficam mais velhas, suas vidas também ficam mais diferentes. Os pais de Lenù a mantêm na escola. Lila, filha de um sapateiro, sai da escola, mas devora livros e aprende latim e grego, chegando sem grande esforço a um nível intelectual ao qual Lenù só chega com grande sacrifício.
A Amiga Genial deixa sempre claro que dinheiro e pequenos privilégios mudam vidas. Quando se é pobre, aspirações podem se tornar uma carga. Por isso, quando se tem um dom, como Lila, deve-se usá-lo como instrumento para se libertar. “Para fugir desta periferia é preciso dinheiro”, anuncia ela.
A Amiga Genial é uma coprodução internacional dirigida pelo cineasta italiano Saverio Costanzo. O roteiro foi também escrito em italiano, o que deixa aquele mundinho congestionado ainda mais imerso em si mesmo.
Ferrante tem crédito de roteirista na série e, como em seus romances, a adaptação obedece a um senso rigoroso de tempo e espaço, não havendo lugar para nostalgia ou sentimentalismo.
O desempenho das quatro atrizes nos papéis principais impressiona. Nasti e Girace fazem amadurecer a explosiva genialidade de Lila. Del Genio e Mazzucco têm atuações menos vistosas, mas igualmente complexas: Lenù é muito perceptiva e suas emoções são enigmáticas mesmo para ela.
As poucas vezes que A Amiga Genial tropeça é por excesso de fidelidade à fonte. A série mantém o formato de “narrativa moldura” – a inserção de uma nova história na história original. Uma Lenù mais velha começa a escrever a história após saber que Lila havia desaparecido. A narração sobreposta às vezes pode acabar competindo com as vozes dos personagens, como quando a adolescente Lenù vai a Nápoles com os pais e vê o mar pela primeira vez. Dá para se ver em seu rosto a mescla de medo e atração que o mar provoca, sem que seja preciso descrever isso.
No geral, A Amiga Genial mostra bem (o que não é pouco) o entrosamento da série de TV com a arte luminosa de Ferrante, a estrela por trás de tudo. Ferrante não é citada como criadora, mas A Amiga Genial destaca-se na programação da HBO entre séries dominadas por homens turbulentos. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ