Disney+ deve ocupar a segunda posição no mercado de streaming no Brasil

Principal competidora da Netflix chega à América Latina com catálogo robusto, e analistas discutem o que esperar da atuação da gigante do entretenimento no País

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Por Guilherme Sobota
Atualização:
10 min de leitura

Ainda faltam umas poucas semanas para o Disney+ chegar ao Brasil, mas não é de hoje que o mercado brasileiro aguarda com expectativa o lançamento da plataforma de streaming de uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Consultores e analistas do mercado consultados pelo Estadão afirmam que a chegada da nova plataforma será positiva para o consumidor, e apostam que o serviço vai ocupar, rapidamente, o segundo lugar entre assinantes das plataformas disponíveis no País, ficando atrás apenas da líder no segmento, a Netflix.

Com uma estratégia um tanto agressiva de retirar o conteúdo próprio — e da Marvel, Pixar, Star Wars e National Geographic — de todas as outras plataformas, a Disney tem um ponto de partida mais favorável do que as concorrentes justamente por já ter um catálogo robusto e amplamente conhecido. As animações originais e os remakes recentes dos clássicos de princesas, os mais bem sucedidos filmes de heróis da história, a franquia intergalática que se mantém relevante 40 anos depois do lançamento original, as dedicadas histórias para todas as faixas etárias da Pixar e os conteúdos documentais do Nat Geo devem bastar para, num primeiro momento, amealhar milhões de assinantes no Brasil. Novos lançamentos de cinema também já estão planejados para a plataforma — o inédito Mulan, por exemplo, estreia diretamente na plataforma por aqui em 4 de dezembro.

Com a chegada do Disney+, consumidor brasileiro tem mais uma opção de plataforma de streaming para aproveitar. Foto: Baptistão

O presidente da Disney para a América Latina, Diego Lerner, já afirmou que conteúdo local também será produzido, com atores e diretores brasileiros, com investimento em séries e filmes, o que não deixa de ser uma notícia animadora para o mercado audiovisual brasileiro, bastante maltratado nos dois últimos anos. 

“Há muitas conversas nesse sentido porque o mercado deu uma parada com o Fundo Setorial do Audiovisual e a Ancine travou as verbas”, explica a CEO e fundadora do grupo Stenna, Carolina Vargas, há 15 anos trabalhando com produtoras e distribuidoras de conteúdo de entretenimento. “A Disney não precisa de Fundo Setorial para levantar produções originais. Mesmo assim, vai levar uns dois anos para conteúdos locais novos chegarem à plataforma. Assim, vejo um crescimento grande no lançamento, mas não sei se sustenta a subida crescente que eles estão planejando.”

A subida crescente se refere à grande adesão que a plataforma da Disney teve nos Estados Unidos e em outros 28 países. Em menos de um ano, já são 60 milhões de assinantes, segundo a empresa — para comparação, a Netflix possui cerca de 190 milhões em 190 países.

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Tecnologia

A visão de Lerner, exposta em raras entrevistas sobre o assunto até aqui, porém, concorda com a de analistas que afirmam que o brasileiro tem uma alta adesão à tecnologia, mesmo tendo saído atrás de países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos e os países da Oceania. 

“Tecnologicamente, o Brasil é um dos públicos que mais tem aderência ao consumo de conteúdo”, explica a consultora estratégica de entretenimento e conteúdo Patricia Weiss, há 20 anos envolvida na discussão. “Não importa se vai acumular uma série de assinaturas. Quem tem o mínimo de poder aquisitivo, vai assinar. O consumidor brasileiro vai pagar ainda menos do que com a TV a Cabo, que ainda é muito cara. Daí o movimento nos últimos anos de transferência de conteúdo para as plataformas digitais.”

Vargas, porém, se diz preocupada com a entrega do produto ao cliente final, uma questão com que a Netflix, por exemplo, lida há quase 10 anos no Brasil. “Para entregar o conteúdo regional, fora dos grandes centros, é necessário um fluxo de internet considerável. Alguns serviços já em atuação, por exemplo, não funcionam direito no Nordeste. A Disney vai precisar desse fluxo. Quem entrega é o provedor regional, que são concorrentes diretos das plataformas, porque vendem conteúdo de programação para a região. O que eles fazem então? Eles bloqueiam o tráfego de outras plataformas.”

Para ela, a experiência final do consumidor vai ser diferente em diferentes regiões. “Os serviços regionais estão crescendo. Aqui no Brasil existe uma guerra de poder por isso. São mais de mil cidades em que as grandes operadoras de internet compram ou alugam banda dos provedores, que por sua vez, quando juntos, detêm uma participação de mercado que chegou a quase 40% em agosto, incomodando as grandes.”

A relação custo benefício da qualidade de internet é outra questão, aponta Patricia Weiss. Em comparação a outros mercados, o tráfego de dados ainda é muito caro no País. “O Brasil apresenta qualidade de tecnologia diante de muito dinheiro do consumidor. Acredito muito que o Brasil precisa evoluir nessa relação de custo benefício. Mas quanto mais empresas como a Disney em atuação, melhor para o brasileiro. Porque essa presença também desenvolve critérios no mercado e no consumidor. Se cada vez mais ele vê coisas diferentes, cada vez mais ele vai escolher melhor.”

Catálogo

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A força da marca Disney também é alardeada pela empresa como um trunfo em relação aos concorrentes, até porque são décadas e décadas de construção de imagens, conteúdos, entretenimento dentro e fora dos cinemas e das telas — não é preciso consultar pesquisas para perceber que o sonho de muitos brasileiros e brasileiras é “ir para a Disney”. Mesmo assim, a concorrência, puxada pela Netflix, antecipou o momento em que as grandes empresas, como a Disney (mas também a Warner, por exemplo), ofereceriam suas plataformas próprias de streaming, e passou a investir pesado em produção própria. Muitas das melhores séries contemporâneas são produzidas diretamente para a internet, como Fleabag (Amazon Prime Video), The Crown (Netflix), The Morning Show (Apple TV+) e outras. Esse movimento suaviza o impacto da retirada de conteúdos das plataformas, segundo fontes ouvidas pela reportagem.

“Quem mais sofre ameaça no momento é a TV por assinatura, porque olhando para o preço, não dá para comparar”, explica Weiss. “De cara, o consumidor não necessariamente vai escolher entre uma plataforma e outra. O mercado de consumo de conteúdo em vídeo, mesmo que de baixa qualidade, é muito grande. De cara, o brasileiro vai colocar para dentro, vai adquirir.”

Para o presidente do comitê de vídeo digital do IAB Brasil e diretor geral para LATAM na Magnite (plataforma global de tecnologia que facilita a venda de publicidade digital em diversos meios), Rafael Pallarés, a força do catálogo da Disney oferece aos usuários a possibilidade positiva de montar portfólios de conteúdos próprios. “Estudos nos EUA indicam que a maior parte das pessoas não está disposta a pagar mais do que US$ 20 em assinaturas mensais, o que dá em média dois serviços e meio em cada residência”, explica.

“O limite no Brasil é mais baixo por casa. Chegando com catálogo forte, eles vão ter uma posição privilegiada. À medida que eles estão focando em montar bases de usuários, eles tiram o catálogo deles de outros serviços e isso força uma decisão”, opina Pallarés. “Nas empresas que têm produção muito grande de conteúdo é uma tendência fazer isso. Esse segmento é muito fragmentado, tem muitos players envolvidos, tem mais níveis do que a TV a cabo.”

No primeiro momento, a análise do conteúdo disponível do Disney+ aponta para um público mais jovem, embora as produções como filmes da Marvel e da Pixar tenham potencial de atingir todas as idades. “Quando a Disney fala que ‘nosso conteúdo é para família’, é criança. E as famílias deixam de assinar TV a cabo porque as crianças já nascem no streaming. Esse público tem que ser um alvo para qualquer plataforma”, diz Patricia Weiss. A analista também antecipa a chegada do Hulu.com e dos conteúdos da Fox no Brasil, ambos agora sob propriedade da Disney. “Esse momento de lançamento não deixa de ser uma transição para o conteúdo mais adulto também.” O Conto da Aia e This Is Us, duas das séries americanas de maior sucesso nos últimos anos, por exemplo, são produções originais dessas empresas.

Para Caroline Vargas, do grupo Stenna, outras plataformas, especialmente a Netflix, têm uma atualização de conteúdo mais frequente do que a Disney, o que pode ser um diferencial na concorrência. “A Disney tem o mesmo conteúdo há tantos anos. Qual é o ‘refresh’? São conteúdos maravilhosos, mas caríssimos… Star Wars já deu… vai ter lá também, claro, mas e aí? Fora os fãs eufóricos, tem outra ponta. Pelo nosso trabalho que vem de tempos com a Ancine e as TVs por assinatura contra pirataria, acredito que a massa do consumidor brasileiro não vai pagar por outra plataforma.”

“A Netflix fez uma boa retomada de conteúdo internacional, com produções coreanas, indianas, que fazem sucesso por aqui também”, continua. “Não é fácil se manter no streaming vendendo direto para o consumidor final. Nesse sentido, acredito que entre ter algo específico para a criança e algo que pode atingir toda a família, o consumidor prefere pagar os R$ 21,90 para atingir toda a família.”

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A própria Netflix, porém, admite a concorrência pesada que já existe (nos EUA) e que ainda vem por aí. Em uma entrevista recente ao The Hollywood Reporter, o co-CEO da empresa, Reed Hastings, diz que a empresa quer bater a Disney em animações para a família. “Isso vai demorar um pouco”, disse. “Quer dizer, eles são realmente bons nisso. Estamos ambos bastante focados em construir nosso grupo de animação e, você sabe, é uma competição amigável. Ambos queremos fazer histórias incríveis para os consumidores e queremos subir o parâmetro nessa área. Sabemos que eles serão um desafio e um competidor pelos próximos 50 anos.”

Preço

Embora ainda não haja um anúncio oficial da Disney, o presidente da empresa para a América Latina, Diego Lerner, já afirmou que o pacote básico será na mesma faixa de preço da assinatura mais barata da Netflix, R$21,90. 

“A Disney+ tem uma tática de preço perspicaz, que é cobrar o básico do mercado”, analisa Patricia Weiss. O consumidor deve olhar especificamente, mesmo que na soma das assinaturas o valor seja maior. O americano olha o orçamento anual, mas o consumidor brasileiro não pensa muito no que deve guardar. Apesar de que minha mãe dizia que dinheiro aqui não dá em árvore”, ri.

Ela cita a chegada do Amazon Prime como exemplo. “Analisando o volume e a quantidade de opções de conteúdo, o brasileiro adquiriu. Porque se o consumidor gosta de uma série, duas, e percebe que tem muitos filmes, pensa ‘bom, é mais opção, maravilha’.”

Carolina Vargas, do grupo Stenna, concorda que o preço é bom, mas acredita que a quantidade de assinaturas vai pesar na hora da decisão do consumidor. “A gente nota um comportamento do consumidor que busca conteúdos exclusivos acontecendo em muitas plataformas. Lá fora, a fidelização existe porque existem diversos tipos de pagamentos, mas aqui vai fazer muita diferença. Lançou um filme novo da Marvel? O consumidor deve assinar, assistir, depois cancelar. Temos que pensar que R$21 reais era um saco de arroz. Penso muito nessa questão da relação de popularização.”

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Concorrência

Para Rafael Pallarés, do IAB Brasil e da Magnite, o que é inexorável é a migração para o ambiente do streaming. “Isso afeta todas as gerações, é uma tendência de consumo não só de conteúdo por streaming, mas existe também uma demanda por conteúdo ao vivo na internet.”

Por conta disso e da questão do acúmulo de assinaturas, ele acredita também no sucesso de plataformas baseadas em publicidade, como é o Youtube, e como será o PlutoTV, serviço da ViacomCBS que também chega ao Brasil em 2020, em dezembro. O acesso é gratuito e o usuário troca a experiência por assistir aos anúncios.

“Nos grandes conglomerados, como a Comcast (dona da NBCUniversal), Viacom, AT&T, o que você nota é que muitos têm uma combinação de serviços, eles já entendem que precisam ter um portfólio de soluções para aliar a receita de assinaturas por streaming a outras, até para ter mais alcance”, explica. Nos EUA, 70% dos usuários do Hulu.com (da Disney), utilizam o serviço sem assinatura mas com publicidade.

A analista Patrícia Weiss explica ainda que as plataformas aprendem com a trajetória dos outros, num mercado em plena expansão mas com várias possibilidades de modelos de negócio. 

“O Disney+ tem uma referência no streaming que é a trajetória da Netflix. Na Disney, o DNA do negócio não é só diversão, mas entretenimento em geral. Quem inventou o primeiro case de entretenimento de marca de sucesso foi ele. Já a HBO explicou ao mundo o que deveria ser a TV, em questão de linguagem. Transformou a indústria e a percepção da audiência. A melhor experiência de consumo, não importa o gênero, ainda é a Apple. O Prime Video faz parte de uma empresa que ajudou a restringir a nossa percepção visual de tudo que existe, até as redes sociais (a Amazon). Mas quando consumimos conteúdos deles na plataformas, percebemos que ainda tem o que evoluir. Ainda não parece ser da Amazon, até na combustão de produção de conteúdo, relativamente lenta.”

Reestruturação

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Ao mesmo tempo que a Disney  faz os preparativos finais para sua expansão na América Latina, também anunciou agora em outubro uma reestruturação global, que dá pistas sobre o futuro da companhia. Uma nova divisão – de Mídia e Distribuição – foi criada, separada da parte de criação e produção, e a empresa também cedeu mais poderes aos líderes dos seus estúdios, responsáveis pelos conteúdos, descentralizando decisões sobre onde os novos produtos vão estrear, se no streaming, nos cinemas ou mesmo na televisão.

Em diversas matérias na imprensa americana, analistas de mercado afirmam que ainda não está claro como a reestruturação vai funcionar, mas a notícia dá uma pista – assim como a informação de que um dos principais investidores do grupo, Dan Loeb, pediu ao CEO Bob Chapek que cerca de US$ 3 bilhões distribuídos pela empresa como dividendos sejam investidos em produção de conteúdo para o streaming.

Com os parques fechados e os cruzeiros suspensos pelo futuro próximo, o que está claro é que a Disney vem depositando cada vez mais fichas no seu serviço de streaming, cujo crescimento impressionante – 60 milhões de assinantes em apenas nove meses de operação – foi catalisado pela pandemia

Quem ganha na “guerra” das plataformas é o consumidor (e também o mercado produtor), que terá mais opções para colocar na telinha, a hora que quiser.