Deputada bate boca com presidente da TV Cultura

João Sayad enfrentou tempo quente em debate de quatro horas na Assembleia Legislativa de SP

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Por Jotabê Medeiros - O Estado de S.Paulo
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O Presidente da Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura, João Sayad, enfrentou tempo quente em um debate de quatro horas esta tarde na Assembleia Legislativa de SP. Defendeu-se das acusações de ter promovido um desmanche na emissora, de ter demitido centenas de pessoas, diminuindo a capacidade produtiva e sucateando a TV. Afirmou que se preocupou com critérios de "eficiência, impessoalidade e transparência", que é o que pede a gestão pública. "Nenhum lugar em que estive fiz desumanidade, desmonte, desmanche. Encosto a cabeça no travesseiro e durmo tranquilo", rebateu João Sayad, há dois anos pilotando um processo de enxugamento na fundação. "Existiam deprimidos na TV, gente encostada, sem função, sem salário certo", afirmou, dizendo que a reformulação deu nova vida e entusiasmo à TV e que o processo de demissões estancou. Segundo sindicalistas, em março foram demitidos 56 funcionários na fundação (seriam quase mil demissões na gestão). Associações de classe também enxergam descaracterização da programação em virtude de disputa de publicidade e audiência. Os sindicatos queriam saber qual é o "milagre" que leva uma TV a demitir tanto e ainda apregoar que produz 20 horas de programação diária. Houve um momento tenso, quando a deputada Lecy Brandão afirmou que, se João Sayad tivesse acabado com o programa de hip-hop e cultura de rua Manos & Minas, como pretendeu, teria sido um "administrador racista", preconceituoso. "Que diversidade é essa, que tira o programa dos negros?", inquiriu Lecy. Segundo ela, Sayad teria querido demitir o apresentador Rappin' Hood, que está sendo sondado pelo cineasta Fernando Meirelles para um filme e que é uma personalidade da cultura de São Paulo. "Ele é papo reto, não é papo de curva!". Sayad negou que tivesse intenção de eliminar o programa da grade. "Mas eu não sou racista. A audiência muitas vezes é baixa, um administrador tem de ver isso. A sra. não pode me acusar de racista", disse. "Não grite comigo, que eu sou uma deputada!", ela retrucou. Ao final, Sayad pediu desculpas à parlamentar. Também se preocupou, desde o início, em não mostrar hostilidade em relação à dezena de entidades representadas no auditório. "Desculpem se passei a impressão de arrogância; às vezes acontece". Uma das unanimidades do debate foi sobre a rejeição ao espaço cedido pela TV Cultura à Folha de S. Paulo, para um programa jornalístico semanal. "Não tenho nada contra a Folha de S. Paulo. Leio a Folha, leio o Estadão. Mas a imprensa alternativa também quer o seu espaço", disse Lecy Brandão. "Uma TV pública que precisa da Folha de S.Paulo para aumentar sua audiência? Vejam onde chegamos", disse um deputado da oposição. Até deputados da situação, como Trípoli (PSDB), concordaram com o argumento."A aliança com a Folha de S.Paulo consagra um jornalismo que já está posto, sob a influência do mercado". A representante do Sindicato dos Jornalistas, Clélia Cardim, afirmou que o programa da Folha é "careta", e que os jornalistas demitidos da TV Cultura fariam melhor se tivessem sido mantidos. Sayad aconselhou que os manifestantes vissem a programação para constatar que "não é verdade que estamos nos vendendo ao mercado, a terceiras opiniões". João Sayad também se defendeu das acusações que considerou "injustas" de ter tentado acabar com o programa Ensaio, um dos clássicos da emissora. "Fernando Faro é um funcionário que escreveu um artigo, me chamou de cabeça de planilha, e a imprensa disse que sou um insensível, só penso em números, e ele é um grande artista", afirmou. Lecy Brandão manifestou preocupação com o sucateamento da emissora, que guarda sua própria história artística. "A primeira vez que apareci na TV foi lá, com o mestre Cartola". João Baptista Pimentel Neto, representante do Congresso Brasileiro de Cinema, acusou Sayad de ter uma longa folha corrida de desmontes culturais. "Quando secretário de Cultura de SP, o sr. exterminou as comissões setoriais", afirmou. "Quando é que a TV Cultura vai enfrentar o problema da religião na TV pública? Sou católico, mas me incomoda a opção por uma única religião. Quando a TV Cultura vai observar a laicidade do Estado?", perguntou a Sayad. "O lema da TV Cultura é uma TV diferente. Não quer ser melhor, nem pior. Oferece o que as outras não têm. Nós temos um projeto estratégico que já foi apresentado ao conselho da fundação, e aprovado", disse Sayad. "A TV do futuro será na TV assistida pelo cabo. Já atinge 20% dos domicílios", prognosticou.

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