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Da nobre arte de ser uma orelha

Por Mario Viana
Atualização:

Não deve ser fácil sobreviver inteiro dentro do emaranhado de egos que - supomos - são os bastidores de uma novela. Astros de primeira grandeza, estrelas de brilho próprio e asteróides que se julgam indispensáveis à evolução da espécie cruzam-se pelos corredores das emissoras, sempre a postos para resplandecer na próxima cena. Mas, acreditem, há os que se contentam em fazer bem o seu papelzinho, dedicam-se a decorar as falas e a ter como função servir de ouvinte para o mocinho ou para a mocinha. A esses, dá-se o nome técnico de "orelha". Há personagens que nascem para ser orelha. Cabe ao ator ou à atriz que o representa, fazer de tal maneira que essa orelha se torne tão essencial quanto um olho, um nariz ou, até mesmo, uma boca. Guida Viana está nesse caso, de orelha que ganha destaque. "Guida quem?", você perguntará. A Lenir, de Duas Caras. A grande amiga de Gioconda (Marília Pêra) é uma figuraça. Aproveitadora, não sai da casa da amiga rica e sempre solta alguma batatada divertida. Como orelha, Lenir é praticamente perfeita: está lá para ouvir todas as loucuras da amiga, dá seus conselhos, e pronto. Pouco se quer saber dela. Do jeito que é, está ótimo. E isso é mérito de Guida Viana, uma atriz premiadíssima no teatro carioca, mas cuja presença na TV se resume basicamente a ser orelha. Uma orelha de respeito, mas orelha. Falar isso não desmerece uma atriz, muito pelo contrário. Há mesmo autores que nutrem carinho especial por suas orelhinhas. Silvio de Abreu é um deles. Em 1998, quando escrevia Torre de Babel, trouxe à tona a doce Luzineide (Eliane Costa), cuja única função na trama foi ouvir as falações da garçonete assanhada Bina (Claudia Jimenez), sempre encerradas pelo bordão "Cala a boca, Luzineide!". O personagem mudo fez tanto sucesso que Silvio, tocado, deu a ela o direito de anunciar o verdadeiro criminoso da história. A atriz que menos falou na novela, quando o fez, foi para elucidar um mistério. Golpe de mestre. Valorizou a personagem e rendeu uma nova santa: Luzineide, a Padroeira das Orelhas de Novelas. Deve ser pra ela que Lenir acende uma vela toda noite.

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