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Corpo de Domingos Montagner é liberado do IML em Aracaju

A emissora ainda não divulgou como ficará a trama de 'Velho Chico' sem o protagonista; gravações terminariam dia 18

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

O laudo divulgado pelo IML (Instituto Médico Legal) de Aracaju (SE) na madrugada desta sexta-feira (16) apontou que Domingos Montagner morreu por asfixia mecânica por afogamento. O diretor do IML, José Aparecido Batista Cardoso, informou ainda que o corpo tinha ferimentos superficiais na região do tórax devido ao contato com pedaços de madeiras e pedras. "Foi encontrada uma grande quantidade de água entre o pulmão e traqueia dele. Foi um acidente." A declaração de óbito está pronta e o corpo liberado para sepultamento. Foram horas de ansiedade, que o Brasil inteiro seguiu eletrizado. Mas a novela, se novela fosse, não teve desfecho feliz. Logo depois do almoço, na quinta, 15, o ator Domingos Montagner mergulhou nas águas do Rio São Francisco, com sua colega de elenco, Camila Pitanga. Haviam terminado de gravar uma cena de Velho Chico, o lugar era a paradisíaca Canindé, na fronteira de Sergipe. Nadaram até um rochedo, a cerca de 300 metros da margem. Camila chegou ofegante. Conseguiu subir, não logrou puxar o amigo. Domingos submergiu nas águas do rio.

Em cena de 'Velho Chico',Domingos Montagner durante aMissa do Vaqueiro Foto: Caiuá Franco/Divulgação

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Imediatamente, Camila deu o alarme e começou a busca. Barcos ocuparam o rio, helicópteros foram anexados à busca. A população acolheu, todo mundo ansioso, querendo ajudar. As horas foram se passando e a esperança, dissipando-se. Finalmente, às 18h50, veio o anúncio oficial. Domingos Montagner, o Santo de Velho Chico, morrera afogado. O corpo foi localizado a 18 metros de profundidade, preso às pedras e próximo à Usina Hidrelétrica de Xingó, na região de Canindé do São Francisco. E vieram depoimentos emocionados como o da diretora Denise Saraceni. Ela contou como Montagner ia fazer uma novela com ela, mas um dia chegou em seu escritório, na Globo, e lhe disse que tinha de fazer Velho Chico, a novela de Luiz Fernando Carvalho, com texto de Benedito Ruy Barbosa. Denise, com sua sensibilidade artística, disse apenas: “Ele não sabia, mas tinha um encontro marcado”.

Ainda na quinta à noite, a direção da Rede Globo decidiu paralisar as gravações da novela, que só terminariam no dia 18, no Rio e Nordeste. A emissora ainda não divulgou como a trama ficará sem o protagonista. 

O ator Marcelo Serrado, que ajudou nas buscas para encontrar o corpo do intérprete de Santo, de "Velho Chico", disse em seu Instagram que é inacreditável tudo o que aconteceu. "Queridos, não há palavras pra descrever o que sentimos. A vida e a arte às vezes andam juntas. Inexplicável o que aconteceu hoje do nosso lado. Estamos devastados como todo o Brasil e penso que temos que dizer para todos que estão ao nosso lado como amamos cada uma dessas pessoas, pois num piscar dos olhos o 'homi' nos chama! Me pergunto por que? Auge da vida, grande ator, pai, todos amavam! Por que? Como acreditar? Que Deus e Rio São Francisco levem nosso amor com ele! Inacreditável", escreveu Serrado na madrugada desta sexta.

A região de Canindé de São Francisco, que fica na divisa entre Sergipe e Alagoas, registra 12 mortes por afogamento desde 2005, numa média de um por ano, segundo dados do Sistema Único de Saúde. No início deste ano, um adolescente morreu ali ao navegar com um barco

Há cerca de um mês, Montagner encontrou-se com o repórter em São Paulo para falar do filme Um Namorado para Minha Mulher, de Júlia Rezende, em que atuou com Ingrid Guimarães e Caco Ciocler. Pouco antes, o ator, preso nas gravações de Velho Chico, faltara a outra pré-estreia em São Paulo, a do drama Vidas Partidas, de Marcos Schechtman, em que faz um marido violento. Dessa vez, conversou longamente com o repórter. Estava feliz com a repercussão do trabalho em Velho Chico. Definiu-se como um homem doméstico. “Esse trabalho de ator tem muita tensão, muita adrenalina. Gosto de relaxar em casa.” Falar de casa era falar da família – caso com Luciana Lima (desde 2001), pai de três garotos, Leon, Dante e Antônio, todos menores. “Então eles precisam de você”, disse o repórter. “Eu é que preciso deles!”, riu gostosamente, o então feliz papai.

Domingos Montagner nasceu em São Paulo, em 26 de fevereiro de 1962. Tinha 54 anos. Iniciou-se num curso de interpretação de Myriam Muniz. Foi artista de teatro e circo. Em 1997, fundou o Grupo La Minima com Fernando Sampaio e ganhou o Prêmio Shell de melhor ator. Em 2003, realizando um sonho, fundou o Circo Zanni, do qual foi diretor artístico. Na TV, teve o que se pode definir como carreira meteórica. Fez o Cabo Moacyr de Força Tarefa, há apenas oito anos, e na sequência emendou Divã, Cordel Encantado, O Brado Retumbante, Salve Jorge, Joia Rara, Romance Policial (como Espinosa) e Velho Chico. No cinema, desde Paredes Nuas, de 2009, as participações foram aumentando – Tarja Branca, Através da Sombra, De Onde Eu Te Vejo, Um Namorado para Minha Mulher, Vidas Partidas, o inédito O Rei das Manhãs.

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No teatro, destacou-se em Feia – Uma Comédia Circense, Reprise, A Noite dos Palhaços Mudos e Mistero Buffo, com a qual excursionava pelo País nos intervalos das gravações de Velho Chico. Mistero Buffo baseia-se na comédia de Dario Fo, dramaturgo premiado com o Nobel. Montagner e Fernando Sampaio revezavam-se nos 20 personagens das quatro histórias adaptadas da Bíblia, e que satirizam a fé como espetáculo. Na ficção da novela, o personagem Santo desaparecia no rio e sumia da trama por muitos capítulos. “O Benedito (Ruy Barbosa) é bom nesse tipo de coisa. O desaparecimento de Santo está desencadeando revelações que vão fazer avançar e solucionar a tramas. E eu estou voltando”, ele disse com aquele seu sorriso franco, viril. O texto do Estado não era só sobre o filme (Um Namorado), mas também sobre o retorno de Santo à novela.

Onde Fica Canindé de São Francisco Foto:

Montagner pretendia tirar 15 dias de férias, após o término da novela. Estava cheio de planos. Ia gravar nova série até o fim do ano. Contou que tinha um sonho. “Gostaria de fazer um vilão. Ou então comédia. Já fiz comédia no cinema e no teatro, mas nunca na TV. Como ator, há sempre uma tendência a fazer com que a gente repita o mesmo papel. Se deu certo... Mas eu gosto de mudar de registro. Acho que é importante para testar os limites da gente. Ajuda a evoluir na carreira.” O sonho ficará no imaginário do público. Como seria o vilão de Montagner, a sua comédia na TV? Grande, como tudo o que ele fazia, com seu amor pela arte (e a vida). 

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