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Como é chato o pessoal do 'até parece que'

Por Patricia Villalba
Atualização:

Da queda pelo suspense, ligada diretamente à curiosidade, até a absoluta falta de coisa melhor para fazer, como disse a Regina Duarte outro dia, as pessoas adoram seguir uma novela. Novela é popular, democrática, o principal produto audiovisual do País. Mas o fato é que pouca gente sabe brincar de novela. É isso. Para ver novela é preciso saber brincar de novela, e não tem coisa mais chata do que comentar novela com quem não sabe brincar de novela. É aquela turma do "até parece que": "até parece que o povo fala português na Índia", "até parece que uma mulher em crise com o marido se arriscaria a hospedar a Letícia Sabatella em casa" e por aí vai. Não é coisa que vitime os roteiristas de cinema, principalmente os de Hollywood. Já os autores de novela, de quem nos sentimos íntimos, vivem sendo questionados por experts de plantão. A gente querendo ver o circo de Bia Falcão pegar fogo em Belíssima, e uns e outros dizendo por aí que as ações de uma empresa não podem ser divididas assim, em 49% e 51%. Ai, ai. Assim não dá, tem de acreditar! Tem de acreditar que um boi congelado fornece sangue suficiente para a Flora montar a cena que matou Gonçalo de susto, em A Favorita. Imagine como seria chato se os autores se apegassem à verossimilhança total, aos ritos jurídicos e corporativos, às engrenagens das relações amorosas do mundo real - cada novela seria tão longa e chata quanto Os Ricos Também Choram. E olhe que nem tudo é invenção em novela, e muitas vezes o absurdo da vida real é mais absurdo ainda que o da ficção - é o "contando, ninguém acredita". Benedito Ruy Barbosa tem várias histórias sobre fatos reais que inspiraram cenas que foram chamadas de fantasiosas além da conta. E por falar em absurdo, a deliciosamente absurda Nazareth Tedesco volta ao ar amanhã, em Senhora do Destino, de Aguinaldo Silva. Nas primeiras cenas, ela chega a se mutilar para forjar um parto, e segurar o marido. Absurdo, sim, mas que não chega aos pés do caso Paula Oliveira na Suíça, olha que coisa. É claro que nem todo autor é mestre do "realismo fantástico" como Aguinaldo ou consegue estabelecer a relação de cumplicidade necessária para que o público se deixe divertir sem maiores questionamentos, e sem se sentir com o sorvete na testa. Porque de novela ruim, ah, ninguém gosta de brincar.

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