Com atuação impecável, Eduardo Moscovis é responsável por cenas assustadoras em 'Bom Dia, Verônica'

Ator fala como foi a construção do personagem Brandão, marido violento e serial killer, para a série da Netflix

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Por Adriana Del Ré
Atualização:

No segundo episódio do suspense Bom Dia, Verônica, na Netflix, o ator Eduardo Moscovis, como o policial Cláudio Brandão, protagoniza uma das cenas mais desconfortáveis e impactantes da série. Ele pendura, em ganchos, sua vítima – uma garota que acabara de chegar a São Paulo – e a ergue até o alto. A moça grita de dor e medo. Sua mulher, Janete, interpretada por Camila Morgado, é obrigada a ficar no local, sentada e com uma caixa de madeira na cabeça. Insinua-se então que Brandão abusa da moça. Esse momento assustador contrasta com um Brandão visto antes, confortando a mulher após ela ter sofrido mais um aborto espontâneo. Na realidade, a aparente figura de homem gentil e policial exemplar camufla camadas mais profundas e obscuras de Brandão. E o espectador vai sendo apresentado à sua real persona: um serial killer – e que comete violência psicológica e física contra a mulher. 

O ator Eduardo Moscovis, em cena, como o violento policial Brandão. Foto:Netflix 

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“Tive muita resistência, dificuldade de me aproximar do Brandão. Eu já tinha aceitado o convite, tinha ficado bem feliz, mas eu não estava sabendo como lidar com ele, como chegar a ele. O que me dava uma tranquilidade é que eu teria o Zé Henrique (Fonseca) dirigindo, com quem trabalhei numa outra série, Lúcia McCartney”, diz Du Moscovis, em entrevista ao Estadão, por telefone. Também recebeu o seguinte conselho da criminóloga Ilana Casoy, coautora – juntamente com Raphael Montes – do livro que inspirou a série. “Ela disse: não julga ele, não, vai fazendo.” 

Ator de teatro, TV e cinema, que sempre investiu na diversidade de papéis ao longo da carreira, Moscovis criou um Brandão longe do caricato, cheio de nuances, transitando da ternura à extrema violência. Um psicopata realista, que se descola do serial killer muitas vezes retratado no cinema. Aliás, ele conta que não buscou referências nos personagens do gênero em filmes. “O lugar do serial killer quando ele aparecesse – que é a hora que ele entra em ação ativa com as meninas –, acho que o desenho plástico da cena, o que era proposto já no papel, e o que eu sabia daquilo, de como seria, já era tão impactante que eu não estava preocupado com o serial killer dentro de casa, porque automaticamente ia contaminar o público. Quando o Brandão voltasse para casa, mesmo que eu não tivesse fazendo ‘o psicopata’, ele estaria ali. Então, me interessava muito mais esse cara que está por aí, que você não aposta nele e, quando sabe de alguma coisa (ruim a respeito dele), fala: ‘Impossível, como é que pode?’. Isso é uma opção, e o Zé (Henrique Fonseca) também pensava dessa forma. Então, foi ótimo.” 

Foi feito todo um trabalho de composição do personagem – incluindo os gestos, os olhares, o tom de voz, as roupas – que resultou em uma atuação impecável. “Fui criando junto com todo mundo, eu tinha minhas intuições, minhas apostas, conversei muito com o Zé, com a Marina Franco, que é a figurinista. O figurino do Brandão também me ajudou demais na composição: como ele se veste, como ele se comporta, tudo isso fui recebendo de vários lados”, diz o ator, que passou também por uma mudança física. “A minha ideia era fazer com que, dentro de casa, o maior número de cenas possível não tivesse nada indicado para nenhum tipo de violência física. É que fosse mesmo uma violência psicológica, uma violência de olhar, de pausa, uma coisa velada, que se aproximasse o máximo possível de relações que a gente conhece, que a gente já viu, porque não me interessava trazer a psicopatia do Brandão logo de cara. Acho que é o que pega bastante na série, e essa era minha intenção, é que fosse desassociada a psicopatia. Quer dizer, existe um risco e existem vários Brandões por aí. É Netflix, é uma série, é entretenimento, mas a gente tinha na mão ali uma possibilidade de causar reflexão. E acho que isso aconteceu muito por conta de a gente ter ido por essa linha.” 

Eduardo Moscovis e Camila Morgado fazemparceria que é um dos grandes méritos da produção. Foto: SuzannaTierie/Netflix 

A parceria em cena com Camila Morgado, como a mulher subjugada e reprimida, foi outra peça fundamental. Camila também está excepcional. E os dois personagens vão crescendo em importância ao longo da trama. Brandão como o psicopata que começa a diminuir o tempo de ataque às suas vítimas, e também como o marido violento que vai cerceando e isolando cada vez mais a mulher, a ponto de acorrentar portas e janelas. Janete como a dona de casa acuada que busca ajuda de Verônica (Tainá Müller), escrivã da Delegacia de Homicídios de São Paulo, para sair dessa relação abusiva – e acaba revelando os crimes cometidos pelo marido. 

“A ideia de trabalhar com a Camila me dava segurança, porque, quando veio o convite, olhei e não era o Brandão sozinho: tem a construção do Brandão, como o personagem que é meu, mas tem a personagem da Camila, a Janete, e tem um terceiro personagem, muito potente, que é o casal”, diz Moscovis, que trabalhou pela primeira vez com a atriz na série. “Tirando o período em que a gente é visitado pela irmã dela (Janete), somos só nós dois o tempo todo em casa. Então, quando entramos para filmar no nosso cenário – ficamos ali quase duas semanas –, tivemos um tempo de compreensão. Quando entramos, tivemos um ritmo mais lento, de reconhecimento de cenário, de reconhecimento da própria relação. Então, isso tudo facilita muito.” 

Sobre o impacto que seu personagem causou no público e o sucesso de Bom Dia, Verônica, desde sua estreia, no dia 1.º de outubro, Moscovis acredita que vários fatores foram determinantes. Entre eles, os motes. “Fala de temas que estão muito latentes, que não tem mais como a gente fechar os olhos, que é a forma deteriorada das nossas corporações, das nossas instituições, já muito decadentes e contaminadas mesmo”, observa ele. 

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“E esse nível de violência doméstica que é apresentado ali, apesar da psicopatia, porque a relação do casal é altamente violenta, machista, danosa, e existe um número muito grande de relações assim. Nos nossos estudos, uma das coisas que mais me assustaram é que o Brasil, em ranking, é o 5.º país mais perigoso para ser mulher no mundo. Isso é assustador, muito triste, mas altamente revelador. Estamos vivendo um momento muito cruel, muito machista, muito retrógrado.” 

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