PUBLICIDADE

‘Cidade dos Homens’ estreia 2ª temporada e mostra as favelas pós-falência das UPPs do Rio

Roberta Rodrigues e Thiago Martins retornam ao elenco da série que projetou suas carreiras

Por Gabriel Perline
Atualização:
Darlan Cunha, Roberta Rodrigues, Douglas Silva e Camila Monteiro protagonizam a série 'Cidade dos Homens' Foto: Marília Cabral/Globo

“Vai ter negro, pobre e favelado, sim!”. A fala de Roberta Rodrigues, em tom de protesto, é a constatação do óbvio: é baixo o número de produções na TV que coloquem negros como protagonistas. E quando uma série como Cidade dos Homens ganha espaço na faixa nobre da maior emissora do País, os atores comemoram. “Essas pessoas humildes são as que mais assistem à TV, e elas gostam de se sentir representadas”, acrescenta.

PUBLICIDADE

Após um hiato de 12 anos, a Globo resgatou Cidade dos Homens e a relançou em formato de minissérie. Era para ter apenas uma temporada, mas a boa audiência levou a emissora a encomendar uma nova leva de episódios, que será exibida diariamente, entre os dias 2 e 5 de janeiro, logo após a novela O Outro Lado do Paraíso.

Cenas de flashback, dos episódios exibidos entre 2002 e 2005, voltam à nova temporada, mas numa frequência menor. Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), agora com problemas de gente grande, dividem o protagonismo com seus respectivos filhos, Clayton (Carlos Eduardo Jay) e Davi (Luan Pessoa). A novidade fica por conta do retorno de dois antigos personagens: Poderosa (Roberta Rodrigues), mãe do filho de Laranjinha, e João Vitor (Thiago Martins), amigo playboy da dupla que agora surge como professor das crianças.

O racismo, ponto de debate recorrente da série, volta a ser colocado em xeque na nova temporada. “Temos uma história ainda mais inserida na realidade atual do Rio de Janeiro, um Estado onde as mazelas estão mais agudas, depois de uma pseudobonança”, explica George Moura, supervisor de roteiro. “Na temporada deste ano, também há duas histórias fortes, que envolvem temas da hora como racismo, violência, falta de emprego, a nova realidade da comunidade pós-falência das UPPs e diversificação das ações dos bandidos, se envolvendo em roubo de carga e revenda de produtos roubados. Ou seja, é o Rio cidade partida e ferida dos dias de hoje.”

Roberta Rodrigues volta a interpretar a personagem Poderosa em 'Cidade dos Homens' Foto: João Cotta/Globo

“Existe um sistema ‘antinegro’ como protagonista no audiovisual”

Roberta Rodrigues está de volta a Cidade dos Homens. O filme que inspirou a série, lançado em 2002, foi seu segundo trabalho como atriz e também um dos responsáveis pela projeção de sua carreira. Após 15 anos, ela reviverá a personagem Poderosa, ex-mulher de um traficante com quem Laranjinha teve um breve relacionamento, do qual nasceu Davi. Ela some do mapa e retorna à cena, regenerada e disposta a ter a guarda do filho. Este será um dos pontos de tensão da nova temporada. Confira alguns trechos da entrevista que ela concedeu ao Estado:

Como é voltar a viver um de seus primeiros personagens? É o projeto da minha vida, por onde eu começo a contar a minha história. Fiquei muito emocionada, porque é uma forma de a gente falar do lugar em que a gente vive.

Publicidade

Você nasceu no Vidigal, e, quando a série estreou, as comunidades ainda não eram pacificadas. Para você, o que mudou? Hoje em dia é bem pior. Antes da pacificação, tínhamos momentos de crise. Hoje não sabemos mais quando podemos sair de casa. O Rio de Janeiro está abandonado. O tráfico e a violência não estão somente dentro do morro. Aqui (no Vidigal) você tem uma certa segurança no sentido de que ninguém vai invadir a sua casa. Mas fico muito triste, porque os nossos governantes conseguiram fazer com que o povo se virasse contra o próprio povo. A gente não tem estudo, não tem liberdade. Somos escravos desses políticos imundos. Como é que se transforma uma comunidade se o tempo inteiro o preconceito é jogado na nossa cara?

Já que citou o preconceito, sente isso quando se trata do protagonismo do negro na TV? As pessoas que têm o poder não fazem muito para mudar isso. Existe um sistema ‘antinegro’ como protagonista no audiovisual. Só estou no personagem quando vem descrito ‘médica negra’ ou ‘advogada negra’. Não tem que vir assim. Para ser advogada, preciso apenas estudar. A qualidade do ser humano independe da cor da sua pele. Confesso que, quando eu estava grávida, fiquei sem ver TV aberta, só assisti a séries...

Por qual motivo? Eu me mudei de casa, fiz o pedido da TV a cabo e foi uma loucura. Fiquei estressada e cancelei. Quando liguei a TV, um ano depois, tomei um susto. Parecia que estava vendo uma TV europeia. Foi um tapa na cara. Hoje em dia as produções de fora têm uma preocupação em colocar negros em personagens significativos. E você vê tudo quanto é tipo de ser humano em personagens importantes. É natural. A gente precisa saber que o momento de mudar é agora. Amo ter nascido na favela, porque aqui a gente se ama pelo ser humano que somos, não pela cor de nossa pele. Não queria ter nascido em outro lugar.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.