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Christiane Torloni estreia no universo de Benedito Ruy Barbosa

Atriz interpreta uma cantora do tropicalismo

Por Cristina Padiglione
Atualização:

Pense em Christiane Torloni na TV? Não tem erro: sempre se verá nela aquela mulher fina da zona sul carioca. Sua escalação como uma cantora baiana em Velho Chico, próxima novela das 9, que estreia em 14 de março, é indício evidente de que o diretor Luiz Fernando Carvalho gosta de fugir do lugar-comum. Carvalho fará de Torloni não só uma cidadã com acento baiano na fala, mas também par de Antonio Fagundes, o grande herói da história de Benedito Ruy Barbosa. E que ninguém veja aí a presença de uma cidadã do universo rural. O enredo se desenvolve nas cercanias do Rio São Francisco, mas Salvador, sua origem, prima pelo ritmo urbano, ela lembra.

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Apesar dos ineditismos – acento nordestino, par com Fagundes e texto de Benedito –, o que não foge à regra do currículo da atriz é que Iolanda, sua personagem, não é nenhuma mulherzinha conformada com o que lhe resta, ao contrário. É apresentada como “uma mulher à frente de seu tempo”.

Iolanda nasce para o espectador com cara de Carol Castro. É ela quem interpreta o papel na primeira fase da história, quando Afrânio, personagem destinado a Fagundes, ainda é vivido por Rodrigo Santoro, que volta às novelas após 12 anos, para um participação especial em 18 capítulos. Afrânio se vê obrigado a deixar Iolanda para trás quando seu pai, coronel Jacinto, vivido por Tarcísio Meira, um latifundiário à beira do Rio São Francisco, morre, e ele volta para controlar o que pertence à sua família. Em ritmo de épico, a nova saga de Benedito, autor de Pantanal, Renascer, O Rei do Gado e Terra Nostra não deixa dúvidas sobre o DNA de seu universo e suas criaturas.

Algumas décadas depois, Iolanda terá deixado a música para trás e seguirá em busca do reencontro com seu grande amor. “Iolanda não é uma pessoa da terra, que dá milho às galinhas”, explica Torloni ao Estado em entrevista por telefone. “É uma mulher de origem urbana. Ela conhece o Afrânio em Salvador, quando ainda é uma cantora, na época de ouro do tropicalismo, dessa vibe Caetano, Gil, e anos depois, vai atrás dele para viver a história de amor dela. A composição é de uma mulher que se retira para o campo, não é uma mulher que vai colher algodão”, defende.

Pergunto se ela tem tido aulas de canto, se vai demonstrar em cena o ofício da personagem, mas, como a história conta que ela terá abandonado a carreira, quem surgirá cantando é Carol Castro, na primeira fase. A combinação entre os gestos, modo de falar e se movimentar da personagem tem sido alvo de grande estudo por parte de ambas. “A Carol já fez minha filha num filme do Márcio Garcia, foi o primeiro contato que a gente teve. E a gente tem umas parecenças: a Carol também fez a Dança dos Famosos e ganhou, a gente tem algumas coisas de gosto e estilo iguais, fora que tem uma coisa física, ela tem uma fisionomia muito delicada. Nesses workshops que estamos fazendo, tem toda uma orientação para a construção desse único personagem. Eu já fiz personagem duplo, em Cara & Coroa. O desafio ali era criar as diferenças, agora o interessante é criar essa experiência quântica. É como você olhar fotos de 30 anos atrás e dizer: ‘eu me vejo nessa mulher’, ‘eu me vejo nesse ar’. O grande desafio é criar essa alma comum. Os workshops funcionam extremamente para isso. Nós somos quase a última personagem a chegar, as escolhas da Iolanda tiveram um tempo enorme para serem feitas.”

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Em algum momento, os criadores do enredo acharam que Iolanda poderia ser de origem espanhola, conta a atriz. Além de Benedito e Luiz Fernando, a criação está também nas mãos de Edmara e Bruno Barbosa, filha e neto do autor, que estão escrevendo o texto final da novela. “Adorei quando se formalizou que ela seria baiana, dessa beleza profunda. Vir dessa personagem da Bahia é uma outra raiz, que é maravilhosamente gostosa de lidar, tenho amigos baianos, tem uma preguiça no verbo, como eles dizem, é muito gostoso de falar.”

É bom avisar ao leitor/espectador habituado com os caricatos sotaques nordestinos que já desfilaram em novelas e séries da Globo que o acento, agora, virá com menos alegoria. O time estelar pode não denunciar, mas a verdade é que pelo menos metade desse elenco, senão mais, é formado por atores escolhidos no próprio Nordeste. A ideia é que eles influenciem, de alguma forma, o tom daqueles que estão aprendendo, com professores de prosódia e muito exercício, a falar com sotaque da região. Daí a sensação de que as falas estarão mais neutras, menos Tieta do Agreste, digamos, e mais próximas da realidade discursada no pedaço.

“O Luiz Fernando não está batendo um martelo se isso é dessa região específica, ele está criando um som para a novela, que não é falada no Rio nem em São Paulo, é um universo que ele vai construir, de Salvador ao interior da Bahia. O Rio São Francisco, aqui, também é um personagem”, lembra. “Estou muito feliz com essa brasilidade, acho que o universo vai muito por esse caminho, de apalpar características das nossas fábulas, dos nossos amores, o brasileiro ama de um jeito muito especial.”

As aulas ministradas ao elenco nos últimos meses também se empenharam em dados históricos sobre a elite nordestina, dos anos 1960 para cá, e dos rumos tomados em torno desse personagem citado por Torloni, o São Francisco. “Esse é um daqueles assuntos do Brasil que entristecem muito a gente, talvez o mérito da novela seja mostrar que é um rio, é muito mais que um acidente geográfico, ele é um elemento estrutural na cultura de um país, não pode ser destruído. Alguém imagina o Estado Islâmico dinamitando o Corcovado, uma das sete novas maravilhas do mundo? É preciso investir no rio e o antídoto para isso é a arte. Por isso é que a novela vem em boa hora.”

A sensação de estar participando desde outubro de uma grande preparação para a novela, sem ainda ter gravado, dá a Torloni a percepção de um universo que se assemelha a uma companhia de teatro, algo quase impensável para o ritmo industrial exigido por uma novela. “Fazemos aulas com as preparadoras físicas, trabalho de contexto, sensibilização com a história, é um mergulho no rio dos amores, da poesia.”

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