Chris Rock: 'A humanidade não está progredindo'

Ator e comediante fala sobre racismo, pandemia e seus novos projetos como um mafioso na série 'Fargo'

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Por Dave Itzkoff
Atualização:

Chris Rock não tinha certeza se estava se escondendo ou não.

Na sexta-feira antes do feriado do Dia do Trabalho, ele conversou conosco por telefone, falando de Yellow Springs, Ohio, um vilarejo onde passou um tempo com Dave Chapelle, seu amigo comediante. Rock havia viajado anteriormente para o local em julho, para um show para um público pequeno, como parte de uma série de espetáculos ao ar livre. Rock não conseguia decidir se o retorno agora devia ser secreto. “Não sei se é segredo”. Talvez. E também não conseguiu explicar o que estava fazendo antes desta viagem, “Bem, acho que estava atuando”. E depois de uma pausa, acrescentou “numa pandemia”.

O ator e comediante Chris Rock em sua casa em Nova Jersey Foto: Dana Scruggs/The New York Times

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Em agosto, Rock foi a Chicago para terminar a filmagem da quarta temporada de Fargo, série policial da FX que será lançada em 27 de setembro. O criador da série, Noah Hawley, o escolheu para estrelar essa nova trama ambientada em Kansas City na década de 1950, época em que a máfia reinava, com Rock no papel do metódico chefão do crime chamado Loy Cannon.

Talvez num universo diferente, quando a série então estrearia em abril como estava originalmente programado, o papel de Fargo já colocaria o ator de 55 anos numa trajetória em termos de uma carreira totalmente nova, abrindo as portas para papéis mais sérios e importantes.

Mas quando a pandemia do coronavírus se instalou, a produção de Fargo interrompeu os trabalhos em março e Rock e seus colegas de elenco (incluindo Jason Schwartman, Bem Whishaw, Jessie Buckley e Andrew Bird) foram afastados. No final do verão, Rock foi novamente convocado para voltar ao set, primeiro se submetendo a uma semana de quarentena e depois terminando o trabalho com base em novos protocolos e sem estresse.

O ator e comediante Chris Rock em sua casa em Nova Jersey Foto: Dana Scruggs/The New York Times

Outros projetos importantes também foram adiados: ele tem um papel de destaque em Spiral, uma nova versão da série de horror Saw, cujo lançamento foi retardado para maio de 2021. Mas Rock não lamentou o adiamento, tendo passado esses meses de primavera e verão realinhando seus valores para uma nova realidade em tempos de pandemia. “Talvez por um dia ou dois eu tenha me lamentado. Mas honestamente, eu pensei mais em ficar com meus filhos e garantir que minha família esteja protegida”.

Nesse período ele também ouviu um número incontável de americanos repetindo a lição dada nos primeiros minutos do seu show de stand-up especial de 2018, Tamborine, quando ele conversa humoristicamente, mas enfaticamente, sobre os incidentes que vinham ocorrendo com a polícia assediando negros. Como disse, entre as profissões, a de policial é uma das que “não pode se permitir ter algumas maçãs podres”. A American Airlines não pode, por exemplo, dizer: “sabe, muitos dos nossos pilotos gostam de aterrissar. Mas temos algumas maçãs podres que gostam de cair nas montanhas”.

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Agora ele vem sentindo desconfiança sobre o poder da comédia além do entretenimento e não sabe ao certo quando irá se apresentar novamente para um grande público. E estava em dúvida, muito cauteloso durante esta entrevista, explicando que quando conversa com a mídia impressa sempre pensa: “se você não se sente confortável em ser entediante de vez em quando, vai ter problema”.

Abaixo trechos da entrevista:

O ator e comediante Chris Rock em sua casa em Nova Jersey Foto: Dana Scruggs/The New York Times

Houve uma época em que você achou que a temporada de 'Fargo' não seria terminada e a série não mais seria vista por um longo tempo?

Passei por algumas coisas estranhas na minha carreira - eu devia fazer um filme de Bob Altman, Hands on a Hard Boy. Conversamos muito por telefone, sobre meu personagem e eu fiquei muito empolgado. Então Altman morreu. E também deveria interpretar Jimmy Olsen em Superman, com o Nicolas Cage [Superman Lives, que foi cancelado no final dos anos 1990s]. Lembro-me de ter ido à Warner Bros para prova de roupa. Passando um tempo com Tim, que era meu ídolo. Tipo, eu estava passando um tempo com o cara que fez Pee-wee’s Big Adventure, e ele estava me mostrando os modelos de sets de Superman. Então, sim, eu definitivamente achei que tinha uma chance de não dar certo. Felizmente para todos os envolvidos, este não foi o caso.

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Como Noah Hawley o convidou para 'Fargo'?

Foi uma ocasião peculiar porque foi o dia das indicações para o Emmy e eu não fui indicado. Não diria que fiquei muito abatido, mas um pouco decepcionado, mas então recebi uma ligação do meu agente dizendo que Noah Hawley queria conversar comigo.

Eu tenho propostas para atuar, mas mais ofertas para atuar como apresentador. Não é algo incomum as pessoas desejarem me contratar para um casamento ou um bar mitzvah; há alguns anos eu oficializei o casamento de Daniel Ek, proprietário do Spotfy, e Bruno Mars animou a festa e eu me sentei ao lado de Zuckerberg na recepção. Achei que Noah queria fazer algum pedido desse tipo. A única razão pela qual fui ao encontro é porque adoro a série Fargo, e cheguei lá e ele me ofereceu este papel.

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Como ele explicou o personagem de Loy Cannon para você?

Ele falou num gangster dos anos 1950 e eu soube exatamente do que ele estava falando. Meu pai nasceu em 1933. Não é como 12 Anos de Escravidão. É literalmente o sujeito da idade do meu pai.

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Quantos dias foram necessários para concluir Fargo durante a pandemia?

Foi como se fosse um episódio e meio - o último episódio e algumas cenas de antes dele. É algo estranho, estar numa quarentena quando você está atuando. Representar é algo isolado, de qualquer maneira, e aí você acrescenta a quarentena. Você fica num confinamento solitário seja no caso da Netflix ou do Uber Eats. Mas não vamos torcer as coisas. Uma pessoa em solitária fica de boca calada. Mas neste caso você na verdade está atuando, submete-se a testes um dia ou outro, usa máscara quando não está dizendo suas falas. E está ciente da zona em que está. Porque se for a Zona A, todos são testados, mas na Zona B nem todos são testados. E a Zona C é onde estão aqueles que contraíram a covid.

Você gostaria de ter participado dos recentes protestos?

Eu e meus filhos assistimos de longe. Mas estamos no meio de uma pandemia e conheço pessoas que morreram por causa do vírus. Amigo, o problema da covid é real.

Você vem falando há anos para o público que o racismo não vai desaparecer e continua uma força poderosa nos EUA. Você acha que a situação melhorou?

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É verdade. E não está desaparecendo. Disse isto antes, com Obama se tornando presidente, foi um avanço para os brancos, não para os negros. É aquela coisa do Jackie Robinson. Fala-se que ele derrubou uma barreira (o primeiro jogador negro da Liga de Beisebol americana, em 1947), como se não houvesse negros que conseguiram jogar antes dele. É o que os brancos aprendem quando se fala de racismo. Acham que, quando as pessoas trabalham com afinco elas serão como Jackie. E a narrativa na verdade é outra; os negros vêm sendo abusados por um grupo de pessoas que são mentalmente deficientes. E estamos tentando afastar suas deficiências mentais para ver que todas as pessoas são iguais.

A humanidade não está progredindo; o progresso é somente para a pessoa que está tirando a sua humanidade. Se uma mulher está numa relação abusiva e o seu marido deixa de espancá-la você não diria que ela fez algum progresso, certo? Mas é isto que fazemos com os negros. Nos falam constantemente que estamos avançando. A relação em que estamos - o casamento arranjado em que estamos - é naquele em que estão nos espancando menos.

Jimmy Fallon atraiu fortes críticas este ano por causa de um clipe gravado há 20 anos dele interpretando você, com o rosto pintado de preto, no Saturday Night Life. O que achou disto?

Olha, sou amigo do Jimmy. É um cara excelente. E ele não teve nenhuma intenção. Muitas pessoas dizem que intenção não importa, mas acho que sim. E não acho que Jimmy Fallon quis me magoar. E não magoou.

Há um movimento amplo para acabar com esse ato de pintar o rosto de preto em filmes ou séries de TV, onde apareciam. As pessoas foram muito longe nesse sentido?

Se eu disser que sim, então sou o pior sujeito do mundo. Pintar o rosto de preto não é legal, certo? É o que afirmo. Isto é ruim. E quem precisa disto? É tão triste vivermos num mundo onde você precisa dizer, “sou contra o câncer. A minha dedução é de que você deve gostar do câncer”. Não, sou contra isto. Existem muitas coisas óbvias que você tem de se manifestar contra. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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