Brasília segundo os candangos

Nova série do History Channel mostra a saga da construção da capital sob a ótica de quem fez a cidade

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Por Alessandra Monnerat e Paulo Beraldo
Atualização:

Na Brasília de hoje, é difícil encontrar referências aos trabalhadores que construíram a cidade. Além da homenagem mais visível - a escultura ‘Os Candangos’, na Praça dos Três Poderes -, outra marca, mais escondida, está no cimento da laje da Câmara dos Deputados. São inscrições deixadas por operários, rabiscadas em lápis: “Que os homens de amanhã que aqui vierem tenham a compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra”, diz uma das frases, encontradas em 2011.

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Esse pedaço de história inspirou a criação da minissérie ‘Mil Dias - A Saga da Construção de Brasília’, do History Channel, que estreia neste sábado, às 19h, no aniversário de 58 anos da capital federal. A série tem reprise no domingo, às 23h35. Em quatro episódios, a produção explora a vida de quatro personagens fictícios: um topógrafo, um engenheiro, uma arquiteta e um operário.

'Mil Dias - A Saga da Construção de Brasília' mostra, em quatro episódios, histórias pouco conhecidas dos primeiros dias da capital federal. Foto: Cinegroup/Reprodução

Eram figuras comuns no grande canteiro de obras que era o Planalto Central no fim da década de 1950, quando a cidade foi erguida em apenas mil dias. Depoimentos de historiadores, arquitetos e urbanistas são intercalados com a ficção.

As críticas à decisão de Juscelino Kubstichek de transferir a capital do País do Rio de Janeiro para o meio do Brasil também são lembradas. Nas rodas de conversa, em 1956, a construção da cidade era chamada de "conto", "fantasia" e "mentira". Questionavam até a sanidade mental do presidente.

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Para recriar a construção faraônica, a produtora Cinegroup simulou cenários em 3D para replicar diferentes etapas das obras. “Pesquisamos material fotográfico e buscamos referências da época, o que nos deu uma orientação de ângulos e de que forma os atores ficariam dispostos para o melhor resultado”, explica a produtora-executiva Luciana Pires.

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A pré-produção começou em 2014 e o canal não revela o valor investido na empreitada. Segundo a diretora de conteúdo original do History no Brasil, Krishna Mahon, o canal deve continuar a apostar nas grandes produções. Para o fim do ano, já está prevista um spin-off da série Gigantes do Brasil sobre o Barão de Mauá.

Rigor histórico

Para evitar erros históricos, a minissérie contou com auxílio de pesquisa da historiadora Heloísa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que integrou uma equipe de doze pesquisadores responsáveis por reunir depoimentos e documentos de uma parte pouco registrada da construção de Brasília.

Um dos fatos poucos contados era a brutalidade da guarda na época. “Tem um episódio de trabalhadores que pediam comida melhor para a empreiteira, tem uma confusão e a Guarda Especial de Brasília mata todos. E essa história sumiu”, critica. 

A série mostra a vida de quatro personagens fictícios: um topógrafo, um engenheiro, uma arquiteta e um operário. Foto: Cinegroup/Reprodução

Desconhecido até hoje também foi o custo da capital. “Ninguém sabe”, diz a historiadora. “Juscelino Kubitschek, presidente entre 1956-1961, criou uma administração paralela que não estava sujeita aos controles do poder público. Ele fez aprovar na época uma regulamentação que permitia ele escapar do controle legislativo. Ali não teve controle”, explica.

O rigor histórico buscou evitar polêmicas como a que envolveu a série O Mecanismo, da Netflix. “Tivemos cuidado até pra não colocar uma frase como a do ‘acordão’ na boca de outra pessoa. Não poderíamos nunca fazer isso. Sabemos desse tipo de risco”, disse Krishna Mahon, em alusão à série que atribuiu frases do senador Romero Jucá (MDB-RR) ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

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Mesmo com a precisão histórica, o ator Rodrigo Garcia, que interpreta o engenheiro Mauro, acredita que a produção pode levantar debates. “Muita gente morreu e sofreu na construção de Brasília. E na época foi glamourizado. A série vai trazer essa crueza. Alguém relacionado aos políticos da época pode ficar ofendido, mas acho importante que isso seja exposto”. 

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