Animação 'Wolfwalkers' prioriza desenhos mais artesanais

Com o domínio do digital, a animação feita em Hollywood ganhou uma certa uniformidade evitada apenas vez ou outra

PUBLICIDADE

Por Mariane Morisawa
Atualização:

A primeira coisa que chama a atenção em Wolfwalkers, que estreia nesta sexta-feira, 11, no serviço de streaming Apple TV+, é o visual. Com o domínio do digital, a animação feita em Hollywood ganhou uma certa uniformidade evitada apenas vez ou outra, como no caso de Homem-Aranha no Aranhaverso. Aqui, os diretores Tomm Moore e Ross Stewart usam uma mistura de técnicas, mas se apoiando muito nos desenhos e cenários feitos à moda antiga. “Acho que uma das coisas que destacam Wolfwalkers de outros filmes é que parece mesmo ser feito a mão”, disse Stewart em entrevista ao Estadão, via conferência digital, durante o Festival de Toronto, onde o longa foi exibido. “Claro que usamos o digital para acelerar o processo, mas focamos nos desenhos a mão tanto quanto possível.” 

Cena do filme 'Wolfwalkers', de Tomm Moore e Ross Stewart Foto: Apple TV+

A inovação não aconteceu apenas pela vontade de experimentar, e sim para servir à história, segundo Stewart. No caso, da menina Robyn Goodfellowe (Honor Kneafsey na versão original), que se muda para uma cidade murada e controlada com mão de ferro e de Deus pelo Lorde Protetor (Simon McBurney). Ele é criado à imagem e semelhança do puritano Oliver Cromwell (1599-1658), que, entre outras coisas, ocupou a Irlanda ao fim das Guerras Confederadas, guerra civil entre irlandeses, escoceses e ingleses.  O pai de Robyn, Bill (Sean Bean), é encarregado de caçar os lobos que vivem nas florestas ao redor da cidade, vistos como ameaças ao povo dali. A menina é rebelde e desobedece às ordens do pai de ficar cuidando da casa. Na mata, ela conhece Mebh (Eva Whittaker), que, junto com sua mãe, é a última “wolfwalker”, humana que tem capacidade de se transformar em loba. Mebh é livre como Robyn não pode ser.  Aí que a animação ajuda a contar a história. Na cidade, as linhas são retas e duras. A base foram as xilogravuras com traços mais geométricos e rústicos. Na floresta, as linhas não conseguem conter as cores, as formas são arredondadas e exuberantes, com inspiração nas ilustrações de Emily Hughes. E, quando o ponto de vista é de lobo, é como se o espectador embarcasse numa montanha-russa cheia de luzes e cores. “Era importante que essas cenas saltassem, porque mostram que, quando você vê um mundo que não conhecia pelo ponto de vista de um personagem, isso pode gerar uma transformação”, disse Moore. “Porque realmente queríamos falar sobre como é ruim ficar preso em seu viés de confirmação, vendo as coisas da maneira como é mais cômodo. Nós precisamos nos libertar disso e enxergar as coisas sob o ponto de vista de outros humanos e outras criaturas.” O filme defende que os povos tradicionais têm muito valor e devem ser respeitados. “Acabamos de fazer um filme para o Greenpeace sobre a destruição da Amazônia”, contou Moore. “De jeito nenhum quero ofender ninguém, mas dá para ver como a condição dos povos indígenas lá é próxima da condição dos povos tradicionais irlandeses quando os ingleses decidiram eliminar os lobos e as florestas. É um assunto ainda muito relevante hoje, infelizmente.” Por isso, é também uma história de colonização, de tornar o outro o inimigo e transformar as outras espécies em algo inferior. “É não considerar como digna a outra criatura ou população, para você poder simplesmente ignorar seus direitos”, disse Moore. Mas Wolfwalkers não quis transformar o Lorde Protetor em um vilão. “Ele realmente acreditava que estava fazendo a vontade de Deus e que tinha sido encarregado por Ele de fazer essas coisas na Terra. E que a sociedade seria melhor depois de ele concluir seus planos”, disse Stewart.  Os diretores sabem que esses temas podem agradar aos adultos, mas discordam que esses assuntos não sejam também coisa de criança. “Afinal, elas estão tendo de lidar com esses homens fortes no mundo todo”, disse Moore. Mas ele acrescentou: “Vou citar o diretor de animação Chuck Jones (conhecido por Pernalonga, Patolino e outros), que dizia sempre tentar fazer filmes que eram inteligentes o suficiente para crianças, mas simples o suficiente para os adultos poderem apreciar também. É isso o que tentamos fazer aqui”.  A receita tem dado mais do que certo. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.