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Alexandre Nero, o Baltazar de 'Fina Estampa', fala sobre desfecho da trama

Depois de sete meses de novela, personagem deve sorrir pela primeira vez no último capítulo

Por Alline Dauroiz - O Estado de S. Paulo
Atualização:

Durante os sete meses que está no ar como o motorista Baltazar da novela Fina Estampa, Alexandre Nero não sorriu. A primeira risada de seu personagem, carinhosamente apelidado de Zoiudo, acontecerá apenas no último capítulo, na sexta-feira, e por sugestão do próprio ator. Em cena que o Estado acompanhou no Projac, na quinta passada, o homofóbico Baltazar e o gay afetado Crô (Marcelo Serrado) vão selar a amizade e, ao final de um abraço (fraterno, ainda que boa parte do público torcesse para um romance), Nero sugeriu que seu personagem esboçasse um sorriso, meio amarelo. "Achei que era uma maneira simbólica de mostrar que esse cara está tentando melhorar", disse o ator à reportagem.

 

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Ainda que a novela seja uma obra aberta, que muda ao sabor da audiência, é fato que a transformação de Baltazar após 185 capítulos foi drástica.

 

No início da trama, Nero lembra que não recebeu nenhuma orientação pessoal por parte do autor, Aguinaldo Silva, e que teve de se basear na sinopse, que classificava Zoiudo como "um homem bruto, sem educação, de estopim curto, violento fisicamente e emocionalmente".

 

"No início de uma novela, você está no escuro. Então, ele era mais violento mesmo, quase uma caricatura, porque ainda não via sua fragilidade", disse.

 

Com medo de que o homem que batia na mulher lembrasse o personagem de Jackson Antunes em A Favorita, sua primeira novela, Nero conta ter quebrado a cabeça para decifrar as motivações de Baltazar. "Só consegui entendê-lo melhor, quando percebi que essa brutalidade é só uma casca dura de um homem frágil. Quanto mais metido a forte, bruto e violento, mais bunda-mole você é."

 

Assim, com o aval da direção, tratou de fazer mudanças no perfil daquele homem e, se a sinopse dizia que ele odiava a mulher, Celeste, Nero combinou com a atriz Dira Paes que eles iriam sim se amar, mas de uma maneira errada. "Hoje vejo que foi um golaço, que nasceu de uma semente plantada por mim e pela Dira. Nós sempre acreditamos no amor dos dois."

 

 

Para dar vida ao homem violento, que apesar de detestar a patroa, Tereza Cristina (Cristiane Torloni), cumpre todas as suas ordens calado, Nero diz ter lido muitos livros e filmes como o Amor?, de João Jardim, sobre relacionamentos doentios. Mas não quis conversar com nenhum agressor da vida real, muito menos com mulheres agredidas.

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"No início, não quis ver depoimentos de mulheres, porque ia ficar muito emocionado e não podia ficar mole. Tinha de bater sem culpa, porque esses homens são assim. E nunca construo um personagem como vilão. Um mau-caráter não acha que é mau-caráter. Não defendo, mas tenho de compreender a mente criminosa."

 

Depois de tanta porrada, críticos do gênero podem até achar que a regeneração do personagem seja coisa de novela, mas Nero defende a verossimilhança do enredo. "Se tem uma coisa que acredito é na mudança das pessoas. As coisas mudam o tempo inteiro, seja para pior ou melhor. Sou totalmente diferente do que era há dez anos. Não acredito que as pessoas sejam más, mas que estejam perdidas. Se um homem vai para a cadeia e apanha todo dia, vai voltar pior."

 

Para Nero, é possível regenerar as pessoas com educação, carinho, amor, paciência e acompanhamento psicológico não só para o homem agressor, mas para a mulher, já que se trata de uma família doente. Na ficção, porém, a jornada de Baltazar foi a autoterapia.

 

Ele pensou: "Se bater nessa mulher, vou perdê-la, e ela é a maior referência de amor que já tive. Essa é a minha família. Além disso, ele contou com o apoio dos que o amam, como a Celeste e até o Crô, que estava sempre tentando ajudá-lo e, no fim, foi seu único amigo".

 

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Alvo de repúdio da Ministra Irany Lopes, da Secretaria Especial das Mulheres, em outubro, a trama de Baltazar e Celeste motivou campanha na Globo contra a violência da mulher e coincidiu com o começo da punição do personagem de Nero, que acabou na cadeia após denúncia da mulher. E foi então que o personagem começou a mudar e ganhar simpatia do público.

 

"Teoricamente, é estranho um cara assim ter caído no gosto popular, mas o Capitão Nascimento não virou herói?", questiona Nero. Para o ator, suas sugestões para Baltazar humanizaram o personagem, assim como Wagner Moura fez em Tropa de Elite, o que foi rapidamente percebido e desenvolvido pelo autor. "Para mim, ele sempre foi doente, como qualquer um de nós pode ser, sem perceber. Ele tem um coração bom. Sempre foi honesto, até quando parecia que ia roubar dinheiro da filha."

 

Outra interferência certeira de Nero, em parceria com Marcelo Serrado, foi intensificar as picuinhas entre Zoiudo e a "gazela", como ele chama Crô. "Começamos a brincar no camarim e, inteligentemente, o Aguinaldo pescou, o (diretor) Wolf Maia deixou e foi um golaço."

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Muito do sucesso do personagem, teoriza Nero, vem da identificação do público que, em sua maioria, é machista, homofóbico e preconceituoso sem perceber. "As pessoas riem do Crô porque ele é a piada da novela. Mas as risadas que o Baltazar provoca é porque a maioria das pessoas gostaria de falar: ‘Mas é muito veado, é muito bicha’. Preconceito é cultural. A gente tem que ficar controlando nosso chip para evitar. Eu sou machista, você é. Mas, eu me vendo como machista, consigo me brecar."

 

Descoberto em Curitiba pelo produtor de elenco da série Casos e Acasos (2007), Nero lembra que já fez de comédia rasgada, quando se vestia de mulher e imitava gays, a peças ‘cabeça’, para dez pessoas. Agora, com o sucesso do Zoiudo, aproveita para vender seu CD – "menos do que as pessoas imaginam, porque é um produto artesanal" – e não se incomoda de ter sido o "escada" para o sucesso de Crô.

 

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"Esse nome é terrível, né? Parece que você está menosprezando. Prefiro chamar de levantador, o cara que levanta a piada para o outro", diz, lembrando "escadas geniais", como Grande Otelo, Dedé Santana e Marcius Melhem.

 

"Ser escada não é para qualquer um. Porque acontece muito de as duas pessoas quererem fazer gol. No caso, o Marcelo era o centroavante e eu estava ali para passar a bola para ele. No teatro, a gente chama de inteligência cênica, você perceber que não é a sua cena, que está ali respaldando as cenas do outro. Em nenhum momento achei que o engraçado era eu. E público passou a se divertir. A gente brinca que gente é o casal da novela. É o amor às avessas (risos)."

 

PINGUE-PONGUE

 

Qual a reação do público em relação ao personagem?

 

Na internet as pessoas são mais agressivas, mas pessoalmente as pessoas me abordam brincando. Uma vez, sentei num restaurante em uma mesa coletiva, e uma senhora me perguntou: "Você é maluco?" E eu: "Por quê?" E ela: "Porque o Brasil inteiro quer te matar". Eu respondi: "Então, o maluco não sou eu (risos)." Agora, com os gays, o assédio aumentou muito. Não diria que dobrou, mas que é dez vezes maior. Tem muita gente que me vê em um programa de TV e diz: "Como você é jovem", porque a roupa dá uma sisudez. "Nossa, como você é sorridente". Porque estou há oito meses sem rir na TV.

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Foi por isso que você sugeriu ao diretor que ele risse na cama em que abraça o Crô?

 

É. Esse homem não sorriu a novela inteira e achei que foi uma maneira simbólica de ver que é um homem que está tentando melhorar.

 

E já aconteceu de alguém apoiar as atitudes do Baltazar?

 

Já. Estava tirando foto para um jornal no início da novela, e passou um cara de bicicleta dizendo: "Tem que bater mais naquela mulher". Foi por ironia, mas aconteceu uma vez. Já ouvi falar que o índice de mulheres que denunciam na Lei Maria da Penha aumenta depois de cenas assim na novela. Então tem lá sua função social.

 

Você chegou a torcer para que rolasse um relacionamento entre eles?

 

Sim, no início, quando ninguém pensava, a gente falou um pro outro: "Cara, vamos batalhar pra que esses dois tenham alguma coisa?" Mas quando todo mundo começou a torcer para que fosse, aí perdeu a graça, e comecei a torcer contra. Esse paradoxo do gay e do homofóbico foi uma coisa que a gente começou a brincar no camarim, e o Aguinaldo (Silva, autor), inteligentemente, pescou, o (diretor) Wolf Maia deixou e virou um golaço.

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