A proposta é odiar Fagundes

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Por Mário Vianna
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Antonio Fagundes é um fenômeno. Sem ser particularmente o rei da simpatia com fãs que se aproximam, ele fala diretamente ao público quando atua. O tipo popular, que transita do grosseirão ao simpático, tem sido sua marca registrada há tempos. Basta lembrar do caminhoneiro de Carga Pesada e até mesmo do protagonista do filme Deus é Brasileiro. Agora, às vésperas de se livrar da pele de Juvenal Antena, o ator emplaca mais um personagem curioso em sua galeria. Não se pode dizer que Fagundes esteja dando um banho de interpretação vivendo o líder da Portelinha. Como outros colegas de novela, Fagundes faz o que sabe. E bem, porque "bem" é o mínimo que um ator desses consegue fazer. Mas também não vai além, não atinge o misterioso território que torna um personagem emblemático na cabeça do telespectador, como aconteceu com a vilã Nazaré (Renata Sorrah), de Senhora do Destino. Juvenal Antena é um caso esquisito. A instigante proposta do autor era criar personagens que justificassem o título e tivessem sempre duas caras para mostrar ao público. Assim, Célia Mara (Sorrah) começa pobre coitada e avança megera; Marconi Ferraço (Dalton Vigh) cometeu as piores vilanias para, com o andar da carruagem, merecer até o amor da sofredora songa-monga Maria Paula (Marjorie Estiano). A única trilha de face única é a Portelinha. Talvez para não se aparentar com a favela de Vidas Opostas, a novela de Marcílio Moraes na Record, a Globo tenha pisado fundo numa favela bacaninha, limpinha, onde todos são felizes e onde artistas do Projac aparecem pra jantar sem o menor estranhamento no olhar. Pode reparar: gente ruim naquela favela não esquentou lugar. A idéia de fazer do líder da favela um herói-vilão ou, no mínimo, alguém de caráter duvidoso é louvável, mesmo que o público estranhe um pouco. Acontece que Fagundes fez dele um tipo bacana, quase bonachão, apesar dos gestos grosseiros. É um paternalista selvagem, do tipo que compra tudo e todos com remédios, cadernos, tamborins e empréstimos. Retrato amenizado dos reis do tráfico, Juvenal também representa o pior que existe em nossa política cotidiana. A interpretação boa-praça de Fagundes não deu espaço para que o público aprendesse a desprezar os Juvenais Antena. e-mail: mvianinha@hotmail.com

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