A nova ‘Watchmen’, de Damon Lindelof, volta às telas mais atenta aos conflitos sociais

Agora como série, a famosa graphic novel, que estreia na HBO no próximo domingo, 20, trata da relação entre a questão racial e a polícia nos EUA 

PUBLICIDADE

Por Mariane Morisawa  
Atualização:

LOS ANGELES - Muito antes de David Benioff e D.B. Weiss enfrentarem a ira dos fãs por causa do final de Game of Thrones, Damon Lindelof experimentou a mesma coisa com o fim de Lost. “Aprendi que os fãs têm exigências. Havia coisas que eles queriam, mas também esperavam surpresas, o que é uma certa contradição. Então, não sei bem como lidar com isso”, disse ele em entrevista à imprensa em Los Angeles. O temor do julgamento não parece paralisá-lo, porém. Tanto que, depois da ótima The Leftovers, ele volta com outro projeto: Watchmen, que estreia no domingo (20), às 23h, na HBO, se passa no mesmo universo da idolatrada graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons, mas não é uma adaptação, como foi o filme de 2009 dirigido por Zack Snyder

Criador da série, Damon Lindelof faz espécie de continuação da idolatrada graphic novel da DC, de Alan Moore e Dave Gibbons Foto: Divulgação/ HBO

PUBLICIDADE

Mesmo assim, Alan Moore, que sempre se opôs a qualquer versão de sua obra, não quis nem conversa e nem é creditado na série. “Tentei explicar um pouco o que estamos fazendo, mas ele deixou bem claro que não queria nenhum contato e respeito isso”, disse Lindelof. Mas ele também disse estar imbuído do espírito rebelde e punk rock de Moore. “Se alguém dissesse a Moore nos anos 1980 que não poderia fazer Watchmen porque o criador de Superman ou Monstro do Pântano não queria, diria: ‘F...-se, vou fazer assim mesmo’. Então estou dizendo para Alan Moore: ‘F...-se, eu vou fazer assim mesmo’.”

Mas, afinal, o que é que Damon Lindelof está fazendo na série Watchmen? O primeiro episódio abre com a reconstituição de um acontecimento de violência racial pouco conhecido: o massacre da “Wall Street” negra, em Tulsa, Oklahoma, em 1921. A Avenida Greenwood era um caso exemplar de uma comunidade afro-americana estabelecida. Ao final da carnificina, centenas de negros estavam mortos, e suas lojas, destruídas. “Foi ali que nasceu a ideia”, contou Lindelof. 

Poucos anos atrás, ele começou a ler os escritos de Ta-Nehisi Coates sobre a luta pelas reparações de injustiças históricas aos negros nos Estados Unidos e só então descobriu o caso de Tulsa. “Fiquei com vergonha de nunca ter ouvido falar disso”, disse. “Mas achei que podia usar em Watchmen, porque a graphic novel era extremamente política. O que, em 2019, é o equivalente ao impasse nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética (que é o tema do material original, passado nos anos 1980)? Para mim, inegavelmente, era a relação da questão racial e da polícia nos EUA.”

Supremacistas brancos. Vendo apenas o primeiro episódio, é verdade que uma certa confusão se estabelece. Se na realidade dos Estados Unidos – mas não só – de 2019, os negros são invariavelmente alvo de agressões e assassinatos pelas mãos da polícia, em Watchmen os policiais, que agora andam mascarados para sua proteção, estão caçando supremacistas brancos. Uma delas é a negra Angela Abar, interpretada por Regina King. Os supremacistas brancos, por sua vez, declaram uma guerra à policia usando a máscara de Rorschach – o controverso personagem da graphic novel, visto como herói por muitos, mas de claras tendências fascistas. 

Jeremy Irons, como Ozymandias, o grande vilão da história Foto: Divulgação/ HBO

De cara, Lindelof foi questionado sobre a responsabilidade de mostrar a polícia ao lado dos negros contra os supremacistas brancos, o contrário da realidade. “Uma das coisas mais bacanas do Watchmen original era que não dava para saber o que era história real e o que era história alternativa”, disse. “Eu espero que, ao longo dos nove episódios, as coisas fiquem mais claras. Mas esse não é um projeto tradicional de super-heróis, que derrotam alienígenas, eles voltam para casa e todos vencem. Não há derrota para a supremacia branca” (leia ao lado outros trechos da entrevista coletiva de Lindelof). 

De fato, episódios seguintes deixam mais claras as complexidades do que ele quer falar sobre as relações raciais nos Estados Unidos e o impacto profundo do trauma no tecido social de um país. 

Publicidade

Nesse universo paralelo, não há internet nem celulares. O presidente, desde o início dos anos 1990, é Robert Redford – ele mesmo, o ator. “Queríamos explorar a ideia do que aconteceria se um homem branco bem-intencionado fosse presidente por um longo período”, contou Lindelof. “Sendo eu mesmo um homem branco, a ideia de que em meu país não haveria uma tremenda resistência à tentativa de igualar a balança de poder entre brancos e negros é ridícula.” 

Uma coisa que Damon Lindelof promete é não mexer no cânone, no material original – e, na verdade, é fundamental pelo menos dar uma espiada na página da Wikipédia para entender o universo paralelo do quadrinho também, em que os Estados Unidos ganharam a Guerra do Vietnã, por exemplo. 

Alguns dos personagens originais que ainda estão vivos aparecem, inclusive Adrian Veidt (Jeremy Irons), também conhecido como Ozymandias. Mas, como a graphic novel diz, “nada nunca termina”. A história continuou, o que houve antes tem consequências agora, e a série vai imaginar como. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.