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A doida que não rasga dinheiro

A vilã sonsa das 9 faz Letícia Sabatella pensar na psicopatia das esquinas

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Por Redação
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Os olhos enormes de Letícia Sabatella pediam um cajal à indiana, com certeza. Mas entre duas personagens que tinha para ela em Caminho das Índias - uma indiana, outra brasileira -, a autora Glória Perez preferiu usar o ar tranquilo e a voz doce da atriz para disfarçar os desvios de personalidade da peçonhenta Yvone. "Só disse pra Glória que, nossa!, não aguentava mais fazer personagem que reza - foi uma atrás da outra", conta a atriz, que conversou com o Estado num intervalo de gravação da novela da Globo.Letícia vinha da devotada, perturbada e infeliz Ana, de Desejo Proibido (2007). Antes dela, foi uma freira, a Irmã Lavínia, de Páginas da Vida. Agora, o sofrimento aos baldes é passado e, no lugar dele, a ausência total de sentimento. Yvone é uma psicopata, não do mesmo naipe da Flora (Patrícia Pillar), de A Favorita, mas num registro mais realista, sem atitudes histriônicas e muita sonsice. Assim, a falsa médica roubou o marido da amiga, além de convencê-lo a simular a própria morte e escapar para Dubai, nos Emirados Árabes. "Agora, não sei até onde ela pode chegar com essa história. O Raul (Alexandre Borges) está nas mãos dela. É ela que tem a chave", reflete a Letícia. A repetição do termo psicopata em duas novelas das 9 seguidas, ainda mais depois da atuação marcante de Patrícia Pillar, deixou a dúvida se Letícia levaria bem uma vilã ardilosa, tipo de papel pouco comum na sua carreira - "Fiz uma diaba em Hoje É Dia de Maria (2ª jornada)", ela lembra.Mas é justamente no contraponto entre o jeito meigo da atriz e as vilanias da personagem que está o mais interessante da Yvone. "Fiquei pensando em como faria para que as pessoas acreditassem na Yvone, sem parecer falsa", observa Letícia. "A personagem proposta pela Glória é capaz de ludibriar perfeitamente, fala com tanta verdade a ponto de qualquer pessoa acreditar. Não é que a Silvia (Débora Bloch) e o Raul são idiotas - ela convence mesmo."Letícia é elegante para admitir, mas a audiência sabe: o Raul é um bocó. Até para uma presa fácil, no entanto, é preciso tecer uma teia eficaz, se o objetivo é injetar nas veias do amante um veneno que a morte, como uma anti-Julieta - não é à toa que a atriz voltou a Shakespeare para compor a personagem, a despeito de qualquer "laboratório" em clínicas psiquiátricas. "Não vejo a Yvone como parte do núcleo da loucura (que tem os personagens Ademir e Tarso) - o psicopata não tem delírio. Penso nela mais como um Iago."De tão envolvente, Yvone tem influenciado até mesmo o dia a dia de Letícia, que anda lançando olhares enviesados por aí. "Às vezes, penso de um jeito meio Yvone. Logo no começo da novela, fui para casa depois da gravação com aquela maquiagem dela - o batom rosa. Fiquei me sentindo meio blasé. Sabe quando você responde ?não!?? Antes, isso era muito difícil pra mim, porque sou muito indecisa."O trabalho também tem feito a atriz refletir sobre a psicopatia que está nas esquinas. "Minha cabeça anda a mil com isso. Fico pensando sobre o quanto o sistema em que a gente vive gera psicopatia. Será que o psicopata nasce psicopata ou é alguém que vai se endurecendo com o tempo, enquanto cumpre planos e conquista coisas?", divaga. "Tenho pensado em como a gente pode mimetizar atitudes psicopáticas a partir do modo como as grandes corporações são regidas no mundo ocidental - o mal em mim, o mal no sistema."Yvone é narcisista, diz Letícia, e basta só olhar para aquela boca rosa-azaléia para perceber que a pessoa se acha o máximo. O pilar da história dela com Raul é a vaidade e, por isso, Dubai, com seus arranha-céus espelhados e o forte apelo consumista, é o cenário dos delírios de vida pós-morte forjada do casal. "Ele é interessante para ela como um instrumento de poder e, ao mesmo tempo, de diversão", observa a atriz. "Mas não acho que ela ama o Raul de verdade, porque não é capaz de amar. Ela está apenas manipulando."

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