‘A Balada de Buster Scruggs’, um faroeste com a marca dos irmãos Coen

Disponível na Netflix, filme é composto por seis episódios, escritos pela dupla ao longo de 25 anos

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Por Luiz Zanin Oricchio
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Nas primeiras cenas, vemos e ouvimos o caubói que canta sua canção acompanhando-se ao violão, montado na sela do seu cavalo. O animal, aliás, trota no ritmo da música, o que dá mais graça à sequência. É o início de A Balada de Buster Scruggs e o personagem, interpretado por Tim Blake Nelson, dá título a essa série de seis histórias do Oeste, dirigidas pelos irmãos Ethan e Joel Coen

Não se deve esperar dos brothers Coen um faroeste convencional. E, de fato, esta produção da Netflix é marcada não apenas pela originalidade de tratamento, mas por doses fartas de ironia, sarcasmo e humor negro. A Balada de Buster Scruggs é uma espécie de faroeste terminal, em que se adota a linguagem de um gênero para desconstruí-lo e também para renová-lo.

James Franco é umladrão de bancos que acorda com a corda no pescoço Foto: Netflix

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Nesta primeira história, temos a convenção do pistoleiro rápido no gatilho, mas levada ao paroxismo, quando não ao ridículo. A “persona” de Tim Blake Nelson contribui para dar essa impressão. Um ar meio de tonto, meio de esperto, roupa clara, chapelão branco, cavalo branco, violão a tiracolo e uma linguagem empolada, que parece mais escrita que falada. É um ás do gatilho, elimina inimigos com a facilidade de quem mata moscas e encontra saídas inovadoras para vencer adversários. Tudo inverossímil, claro, com aquele tipo de estilização de duelos de dar inveja a Tarantino. Mas o desfecho é inesperado. 

As outras histórias vão ganhando tom progressivamente mais grave. 

Na segunda, James Franco faz um ladrão de bancos que se dá mal no assalto e acorda com a corda no pescoço, prestes a ser enforcado. Há um ataque de índios e ele acredita que será salvo. Mas as situações incontornáveis às vezes se repetem de maneira incômoda. Há graça no episódio, mas também outro tanto de melancolia no final. 

Na terceira, Liam Neeson faz um empresário de circo ambulante. Sua principal (e única) atração é um homem jovem, sem braços nem pernas, que ele um dia encontrou nas ruas de Londres e trouxe ao Novo Mundo, para exibi-lo como atração circense. O artista (Harry Melling) faz a apresentação dramática de peças literárias de Shakespeare, Shelley e até de Abraham Lincoln. Mas todo sucesso é passageiro e o circo precisa de novidade, que o empresário encontra numa galinha capaz de fazer cálculos aritméticos. E, assim, o artista torna-se peça obsoleta e, para o empresário, um estorvo. 

A história seguinte é a de um velho garimpeiro (Tom Waits) em busca obstinada de um veio de ouro. Num vale deslumbrante e pacífico, ele parece ter por companhia apenas um cervo e uma coruja. Não sabe que está sendo seguido por outro homem. 

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A quinta história é a mais triste. Uma garota, Alice (Zoe Kazan) parte com o irmão mais velho numa caravana rumo ao Oregon. Lá, em tese, ele encontrará negócios para fazer e ela, um noivo promissor. Mas as travessias de caravana são perigosas, em especial quando passam por territórios indígenas. Alice ficará só e sem esperanças, pelo menos até ser pedida em casamento por um dos guias da caravana, Billy Knapp (Bill Heck). O destino (outra vez) determina um final inesperado. 

A última é a mais alegórica. Cinco personagens se reúnem por acaso em uma diligência – há um sexto personagem, que viaja sobre o veículo, amarrado. Os passageiros são um inglês e um irlandês, que formam uma dupla; um francês, que só pensa no jogo, uma dama americana cheia de si, e um rude e falastrão caçador de peles. A graça da história está nos diálogos, cheios de alusões. O destino final deles todos tem a ver com o sexto passageiro, aquele que está no teto e não diz palavra. 

Este último episódio, espécie de fecho simbólico do conjunto, evoca, sem dúvida, o conto de Guy de Maupassant, Bola de Sebo, que, por sua vez, encontra-se na origem de clássicos como No Tempo das Diligências, de John Ford, e Casanova e a Revolução, de Ettore Scola. Seu tema comum é a reunião, numa diligência, de passageiros de diversas origens, que, em outras circunstâncias, jamais andariam juntos. Sobre estes personagens, tão distintos entre si, paira uma sombra comum – a da morte que se anuncia. 

A Balada de Buster Scruggs é o primeiro filme dos Coens feito em suporte digital. Pelo menos na tela pequena não se nota perda de qualidade no trabalho dessa dupla, que prima pelo apuro visual de suas obras. Há quem encontre certo exagero na estilização dos Coens. De qualquer forma, não se pode dizer que sejam desleixados. Pelo contrário. 

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Na escritura, reconhece-se a outra faceta da originalidade dos Coens, com suas histórias engenhosas e cheias de subtextos. Essa qualidade valeu a Buster Scruggs o troféu de melhor roteiro no Festival de Cinema de Veneza do ano passado. 

Enfim, são seis histórias que vão cômico ao trágico, passando pela paródia, pelo cinismo e pelo distanciamento crítico – às vezes sendo tudo isso ao mesmo tempo. Segundo disseram em entrevistas, esses contos foram sendo escritos ao longo de 25 anos até surgir a decisão de reuni-las num longa-metragem de episódios, como se fazia nos anos 1960. Há, por isso, um certo sabor nostálgico em A Balada de Buster Scruggs

Nostalgia que não atrapalha a revivescência de um gênero clássico, o faroeste, tido como morto, mas que, por seu caráter épico e de drama humano, tem sempre algo a nos oferecer quando ressuscitado.

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