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Zélia Duncan dá vida a personagens presentes na obra do compositor Luiz Tatit

Compositor leva dramaturgia às suas canções

Por Adriana Del Ré
Atualização:

Segunda-feira à noite. O clima era de ensaio geral antes da aguardada reestreia em São Paulo do espetáculo Totatiando, que ocorreria no dia seguinte, 11 de agosto, no Teatro Porto Seguro. Momento crucial para se fazer ajustes, aparar as arestas, calibrar os tons. No palco, estavam apenas Zélia Duncan e os músicos Webster Santos e Tércio Guimarães. Em algumas canções, o som alto dos instrumentos obrigava Zélia a elevar a voz. E, quando sua fala era sufocada, ela pedia para que os músicos parassem e retomassem de forma que os instrumentos não se sobressaíssem ao de seu canto-interpretação. 

Afinal, aquilo não é um show, é teatro. E as músicas em questão, do compositor paulistano Luiz Tatit, o homenageado do espetáculo, não funcionam como o miolo de um repertório, mas, sim, como uma sequência de histórias e personagens, encadeada por um roteiro bem engendrado, para o qual Zélia contou com a diretora Regina Braga. “É instintivo: se você não está se ouvindo, você canta mais alto. Não quero isso. Aqui a alma do negócio é ele (Tatit), tudo o que está ali são palavras dele”, justifica-se Zélia Duncan, ao lado de Regina Braga, em entrevista ao Estado, logo após o ensaio. 

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Assim, em cena, o cantar de Zélia, a atriz, mantém-se num tom menos explosivo do que se ouve quando Zélia, a cantora, é quem está no palco. É como se ela se aproximasse do jeito quase sussurrante de falar e cantar do próprio Luiz Tatit. E é, em meio a essa zona de desconforto da atuação, que a artista encontra seu porto seguro na música, “esse lugar que não é tão estranho assim” para ela. “É muito louco para mim ainda, mas, ao mesmo tempo, é meio montanha-russa: você fica apavorada, mas, depois que acaba, diz: ‘Vamos de novo’. O grande lance do roteiro é que ele pega você pela mão e leva para o próximo personagem, para a próxima canção.” 

Totatiando estreou em São Paulo em 2011, no Sesc Belenzinho, e voltou à cidade em 2012, no Tuca – onde foi registrado o DVD do belo projeto. O espetáculo também passou por outras capitais, como Belo Horizonte, Curitiba e Rio. Agora, cumpre temporada no Porto Seguro até outubro, todas as terças. Mas, em geral, foram longos os hiatos entre as apresentações, que precisam do apoio de patrocínio para serem viabilizadas. Isso foge do controle da dupla, que gostaria de encenar o projeto com mais frequência. E como é para ambas retomarem Totatiando depois desses períodos de intervalo? Tudo vem à tona? “Vem rápido, sim, foi muito estruturado, então não é difícil voltar”, confirma Regina. “Sinto também um amadurecimento da Zélia como intérprete, agora acho que ela já faz com mais prazer, mais sossegada. Em 2011, eu já achava maravilhoso tudo, e estava maravilhoso quando estreamos. Acho que o trabalho é o mesmo, só tenho o prazer de ver que ela está evoluindo nisso. As coisas amadurecem, às vezes, muito delicadamente”, completa a diretora. 

Zélia, então, emenda: “Acho que a gente acumula um pouquinho as coisas”. E Regina conclui: “Acho que, às vezes, esses tempos longe também fazem com que essa saudade dê uma visão, um carinho pelos personagens, e tudo isso se agrega como qualidade à estrutura do espetáculo. A gente não mexeu em nada nele”. 

Parceiras nesse projeto, Zélia e Regina são amigas no campo pessoal. E exibem abertamente uma relação de carinho e respeito mútuo. Antes de o ensaio ter início, enquanto a equipe finalizava a arrumação do palco, as duas se deram um afetuoso abraço. Zélia lhe mostrou um sorriso largo e Regina retribuiu com gestos delicados. As duas conversaram docemente, como se trocassem boas notícias. 

Estavam ali, juntas, duas importantes artistas que, graças a esse projeto, avançaram uma na área de conhecimento da outra. Para dar uma linha dramatúrgica a Totatiando, Regina, que é atriz, mergulhou em pesquisas sobre Tatit – acessando, inclusive, textos de autoria do músico, também notório linguista e professor universitário. Já a cantora e compositora Zélia, que já havia tido experiências como atriz quando fez curso na Casa das Artes de Laranjeiras, a CAL, se entregou aos vários papéis que Tatit lhe proporcionou por meio de sua obra e, após tantos anos de projeto, se aprimorou nos pequenos detalhes de interpretação. 

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Numa convergência de teatro, música, poesia e lirismo, Totatiando abre com um tributo a São Paulo – não só uma reverência a Tatit, mas também a outros tantos paulistanos que influenciaram Zélia –, e segue por blocos, como o de Brasília e o das mulheres, com Sofia (em Haicai), Matilde (em Banzo), Odete (em Olhando a Paisagem) e Vera (em Época de Sonho). “(Fizemos em blocos) para organizar, isso era uma tarefa grande demais”, diz Regina. 

Zélia se mostra fascinada pela ‘repetição’ proposta pelo teatro a cada nova apresentação. “É uma emoção que você está repetindo, aquilo está em você, mas e se, ao mesmo tempo, você não sentir de novo? Essa reestreia, para mim, é uma estreia por um lugar que eu já percorri, mas é sempre novo para mim.” 

PRESTE ATENÇÃO

1 - A foto de Zélia Duncan, jovenzinha, foi feita em Brasília e é exibida, ao fundo, durante o espetáculo. Originalmente, Cássia Eller, sua amiga, está a seu lado na imagem. 

2 - No bloco das mulheres, Olhando a Paisagem, que fala da personagem Odete, não estava no espetáculo em 2011, mas foi incluída em 2012, na temporada do Tuca, após o próprio Luiz Tatit demonstrar ter sentido falta dessa canção.

3 - A voz de Zélia Duncan chega a um tom mais suave quando encena esse projeto no palco.

TOTATIANDO

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Teatro Porto Seguro. Alameda Barão de Piracicaba, 740, 

tel. 3226-7310. 3ª, às 21 h. 

R$ 60/ R$ 80. Até 27/10. 

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