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Um 'tourbillon' social nas óperas de Jean Jacques Rousseau

Arte e música estariam ligados ao público/ouvinte e deveriam provocar uma transformação no indivíduo

Por Ângela Calderazzo
Atualização:

O foco de nossa direção musical foi compor e expor uma trilha sonora executada ao vivo pelos personagens onde a música é teatro. Onde a música serve ao teatro, e, instrumentos, vozes, arranjos e dinâmicas são pensados dentro do enredo de Marat Sade, que nos apresenta o contexto da Revolução Francesa. 

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Nesse sentido histórico e metalinguístico, nos inspiramos em uma querela que fez parte do contexto pré-revolucionário francês: A Querela dos Bufões da qual foram protagonistas o filósofo e músico Jean Jacques Rousseau e o compositor Jean Phillipe Rameau. Momento no qual discutiu-se fundamentos epistemológicos e morais onde, por Rameau, delineou-se um sistema de espírito cartesiano que foi criticado por Rousseau em razão de, por esse sistema, não se poder conciliar obra e ouvinte. Rousseau pretendia, em suas composições, o retorno a um estado de natureza que se opusesse a uma sociedade corrompida e turbulenta, uma música pautada por uníssonos, harmonias simples, afastamento de dissonâncias e ausência de harmonias rebuscadas ou complexas. Uma proposta pela qual a melodia seria o essencial. Melodia essa, que unida à repetição dos temas musicais, possibilitasse o aprendizado de uma ideia ou padrão moral do ouvinte.

Arte e música estariam ligados ao público/ouvinte e deveriam provocar uma transformação do indivíduo para o afastamento de uma sociedade corrompida e turbulenta.Isto posto, com essa pesquisa balizamos nosso norte na escolha dos atores e músicos que foram submetidos a um intenso treinamento vocal, e inseridosnessa discussão da história da música para que entendessem a função social e teatral do canto em uníssono em Marat Sade e assim teatralizar essa música a serviço do texto de Peter Weiss.

23 atores misturam rock às canções da revolução Foto: RETRATO & ARTE|DIVULGAÇÃO

Os arranjos e instrumentação foram pensados de forma a trazer essas melodias e reexposições de temas num formato atual do rock urbano. Rousseau, ao que denominou tourbillon social, com a hipótese de um estado de natureza previsto para corrigir uma sociedade turbulenta e corrupta, nos deu e nos inspirou a compor em música uma paradoxalidade de mundo e expressar uma contradição que opõe o natural ao moderno. Uma idealização que confronta natureza e sociedade corrompida. Que materializa, em música e texto, uma visão de mundo moderna, que se afastou de um estado de natureza idealizado pelo compositor. Um desenho do mundo burguês do século XVIII. 

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Abrimos o espetáculo com trechos de Rousseau e Rameau dialogando com a instrumentação do rock urbano e durante todo o espetáculo. E assim, reexpomos essas melodias e rearranjamos muitos delas para cada personagem. Com isso a direção e produção musical se pautam em dois pilares: Um histórico, que reexpõe temas musicais que fizeram parte do contexto revolucionário francês do século XVIII, tais como as melodias do filósofo compositor Jean Jacques, dentre outros músicos e filósofos compositores daquele tempo.

E um segundo pilar, que recria esses temas históricos e os inserem num movimento musical contemporâneo voltada ao rock urbano e concreto; Esse diálogo musical entre temas históricos revolucionários e o rocké construído mediante sonoridade de guitarras distorcidas, violão acústico, contrabaixo elétrico, teclado e da flauta transversal, por onde se constrói uma base harmônica para que brilhe a voz humana de personagens de um grupo revolucionário que gritou em coro e em uníssono por mudanças políticas, econômicas e sociais. 

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Esse diálogo entre melodias de Jean Jacques Rousseau e a proposta metalinguística da direção de Reginaldo Nascimento foi possível pois atualmente temos em nossos formatos musicais cotidianos pautados por essa matriz musical da época da revolução francesa os uníssonos, as repetições e as melodias simples que estão presentes nos jingles, propagandas políticas, hinos revolucionários, onde percebemos essa matriz entre música, arte e ouvinte, no qual existe uma finalidade de transformação de quem recebe a mensagem artística/musical.

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