Tarcísio Meira volta aos palcos no espetáculo 'O Camareiro'; veja fotos

Com direção de Ulysses Cruz, ator vive texto de Ronald Harwood  

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Por Ubiratan Brasil;Luiz Carlos Merten
Atualização:

Iniciado o espetáculo, o público espera 20 minutos até presenciar o que Tarcísio Meira aguardou durante quase 20 anos: o momento exato em que ele volta a pisar em um palco – Tarcísio é o protagonista da peça O Camareiro, que estreia hoje, dia 4, no Teatro Porto Seguro. Eterno galã da TV, ele não encenava um texto desde E Continua... Tudo Bem, que interpretou ao lado de Glória Menezes, em 1996.

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E retorna com estilo: cambaleante, seu personagem, identificado apenas como Sir, chega fugido do hospital a fim de não faltar à sessão de Rei Lear daquela noite.

“É uma peça muito exigente, pois represento um ator que, por sua vez, representa outro”, comenta Tarcísio, que completa 80 anos em 5 de outubro. “Há muito tempo eu não trabalhava em um espetáculo com tal carga de teatralidade.” Senil e com a saúde debilitada, Sir não se importa que a 2ª Guerra Mundial ameace destruir o mundo – em Londres, ele comanda sua companhia com rigor, mesmo que as baixas (atores recrutados para enfrentar o nazismo) coloquem em risco a existência do grupo.

Tarcísio Meira e Kiko Mascarenhas na peça 'O Camareiro'.FOTO GAL OPPIDO/DIVULAÇÃO Foto: GAL OPPIDO/DIVULAÇÃO

“Ele só pensa na arte, mesmo que seu teatro esteja parcialmente destruído e que o som do cruzar de aviões seja contínuo”, comenta Tarcísio, que chegou ao projeto a convite de Kiko Mascarenhas que, na peça, vive Norman, o dedicado camareiro do velho ator – desdobrando-se para atender às exigências do patrão, cuidando de sua saúde e até lembrando as falas dos papéis shakespearianos que Sir leva ao palco, Norman é, acima de tudo, um servidor do teatro.

“A ideia de montar esse texto escrito pelo britânico Ronald Harwood, em 1980, surgiu quando conversei com o tradutor Diego Teza sobre filmes inspirados em peças”, lembra Kiko. “Lembramos de vários títulos, mas O Fiel Camareiro nos tocou mais pois mostrava dois homens lutando por seus ideais, pela arte, enfim.”

O diretor Ulysses Cruz logo se uniu ao projeto, mas faltava encontrar um veterano ator para interpretar o alucinado protagonista. “Pensamos em vários nomes, mas Tarcísio esteve sempre no alto da lista”, conta Kiko. “Ele tem um porte, uma majestade, que é perfeita para o papel.” Mesmo assim, por causa do longo tempo que Tarcísio estava longe do palco, Kiko temia ouvir uma recusa. Incentivado por Cruz, ele se encorajou e fez o convite. A reposta demorou semanas, mas, depois de uma leitura com outros atores, Tarcísio aceitou o desafio.

A decisão foi acertada – como bem observa Kiko Mascarenhas, o veterano ator traz os elementos fortes à montagem. “É um touro que não esconde suas fragilidades.” E, ao cuidar da encenação, Ulysses Cruz decidiu acertadamente não se influenciar pelo filme dirigido por Peter Yates, em 1983. 

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“Consultei na internet e todas montagens que vi reproduziam o cenário do cinema”, comenta ele, que buscou outra alternativa, deixando as entranhas do Teatro Porto Seguro à mostra, além de trabalhar com o claro e o escuro na iluminação. “Quando o público entrar, vai descobrir Norman arrumando o espaço. É a preparação para a entrada em um universo único.”

Na tela, Peter Yates recria o falso temporal do palco

Está ocorrendo um fenômeno interessante nos EUA. O lançamento em Blu-Ray de Os Amigos de Eddie Coyle tem estimulado os críticos a se debruçarem sobre a obra de Peter Yates, resgatando a importância do cineasta inglês morto em 2011, aos 72 anos. Yates iniciou-se com filmes como Os 26 do Expresso Postal e Bullitt, que esculpiu sua fama de diretor de ação, com Steve McQueen naquela louca corrida de carros em São Francisco. No teatro, no qual surgiu, Yates dirigia peças de Edward Albee e Shakespeare.

Embora ele tenha feito de tudo no cinema há, no centro de sua obra, um poderoso grupo de filmes que vale lembrar. Bullitt, por certo, mas principalmente John e Mary, em que Dustin Hoffman e Mia Farrow partem do relacionamento de uma noite para algo mais consistente, e as obras-primas Eddie Coyle, O Vencedor e O Fiel Camareiro. Os anos 1960 e 70 haviam sido de muito cinema, mas durante a segunda década Yates voltou ao teatro e o reencontro deve ter sido decisivo para que ele fizesse, em 1983, a transposição cinematográfica de O Fiel Camareiro.

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Ronald Harwood foi indicado para o Oscar pela adaptação de sua peça. Anos depois, recebeu o prêmio por O Pianista, de Roman Polanski. Tom Courtenay faz o camareiro totalmente devotado a 'Sir' (Albert Finney). Trata-se de um conceituado ator shakespeariano, mas Sir está num momento difícil. A velhice chegou, sua memória falha, a companhia desagrega-se. Só o camareiro permanece fiel no momento em que Sir enfrenta o desafio de criar Rei Lear. É das maiores tragédias noturnas de Shakespeare.

Noturna, assinala Otto Maria Carpeaux, é a cena do temporal, em que o 'Fool', o bobo, serve de coro trágico à loucura do velho rei. Yates serve-se de recursos de cinema para criar na tela o falso temporal do palco. Poucos filmes mostraram tanto os bastidores do teatro. A relação de Sir e do camareiro tem muito da de Lear e do Fool. É uma relação de poder e dominação.

O CAMAREIRO. Teatro Porto Seguro. Al. Barão de Piracicaba, 740. Telefone 4003-1212. 6ª e sáb., 21h; dom., 18h. R$ 80/R$ 100. Até 13/12

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