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Palco, plateia e coxia

Rodrigues estreia a 10.ª montagem em Portugal com a peça 'Ala dos Criados'

Diretor santista Marco Antonio Rodrigues estreia 'Ala dos Criados', do argentino Mauricio Kartun, no Teatrão de Coimbra

Por João Wady Cury
Atualização:

Quando o Teatrão de Coimbra (Portugal) abrir suas cortinas neste fim de semana o diretor Marco Antonio Rodrigues marcará naquele palco a sua 10.ª montagem em Portugal nos últimos anos. A peça é Ala dos Criados, do argentino Mauricio Kartun, encenada pelo diretor em São Paulo em 2017. Volta agora com elenco português. Em setembro, quando estiver no Brasil, o santista Rodrigues estreia sua montagem do conto de Gabriel García Márquez, A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada, no Teatro do Sesi, na Avenida Paulista. É a mesma versão de Augusto Boal encenada em Paris, 1984.

O diretor Marco Antonio Rodrigues estreia peça em Portugal Foto: CARLOS GOMES

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O que os portugueses buscam no seu teatro? Não sei. Só sei que é uma alegria estar num país que cultiva, no dia a dia, as humanidades, que fez uma revolução exemplar para o mundo. Um lugar onde a arte é decisiva para afirmação da vida. Nessa temporada fizemos o Richard’s, adaptação do Ricardo III, de William Shakespeare, e vamos estrear Ala de Criados, do argentino Mauricio Kartun, ambas no Teatrão de Coimbra. Tenho a felicidade, de tempos em tempos, de trabalhar aqui, com amigos queridos, gente de talento e força, num coletivo teatral que está comemorando 25 anos.Como vê o teatro português hoje?  Gosto muito, em particular dos atores, da forma de organização que o Estado proporciona, apostando em estruturas coletivas e permanentes. Há experiências das mais diversas, encenadores e dramaturgias contemporâneas excepcionais. Portugal é um oásis também e muito pela sua cena. Coimbra é minha casa, também minha família, espírito e coração.Por que encenar a história de uma mocinha escravizada e prostituída pela avó aos 14 anos com 42 kg e Tetazinhas de Cadela, como descreve García Márquez no livro? Ele escreveu Cândida Erêndira em 1972. O Brasil vivia sua ditadura sangrenta, Chile e Argentina estavam prestes a viver isso também. Um personagem recorrente do conto é o vento que sopra no deserto da Erêndira e que causa toda a desgraça. Como tudo do García, a obra é cheia de imagens de sonho e pesadelo, parecido com a América Latina de então ou com a América Latina de agora. A imagem de uma avó prostituindo a neta de 14 anos para fazer dinheiro é uma metáfora cruel e poderosa – o convívio paradoxal entre a distopia absoluta, violenta e autoritária e a invencível utopia com suas tetazinhas de cadela. Me lembrou o verso do Manoel de Barros: “Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia”.

Por que Celso Frateschi no papel da avó desalmada e o que ele pode acrescentar ao mundo feminino?  Sou fã de Frateschi, um dos melhores atores do teatro brasileiro. A avó desalmada tem o chicote do patriarcado. Eu e Cecilia Boal concordamos que a melhor forma de materializar a simbologia do autoritarismo e das sete vidas com que se renova como pesadelo recorrente é confiar a tarefa inglória a um ator como o Frateschi, por sua sensibilidade e seu talento.

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