'Roda Viva', peça de Chico Buarque, volta aos palcos com direção de Zé Celso

Emblemática peça do cantor e compositor que estreou há 50 anos ganha nova montagem a partir desta quinta, 6, no Sesc Pompeia, com apenas quatro apresentações

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Por João Wady Cury
Atualização:

Roda Viva, a primeira peça de Chico Buarque, escrita em 25 dias quando o cantor e compositor tinha 24 anos, volta depois de 50 anos pelas mãos do diretor José Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina, que encenou o texto no Rio, em Porto Alegre e São Paulo em 1968. A estreia é nesta quinta, 6, no palco do Sesc Pompeia, e a montagem terá somente quatro apresentações naquele espaço. Trata-se da Roda Viva de Chico Buarque, mas com pitadas genuínas do Oficina, que devem garantir um mínimo de polêmica: várias referências ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, com uma série de imitações do político.

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Depois do Sesc, a montagem segue para a sede do Oficina, na Bela Vista, dia 23, para uma temporada até 10 de fevereiro. A produção, estimada em R$ 800 mil, com apoio do Sesc e do Itaú Cultural, tem mais de 60 profissionais envolvidos, dos quais 5 são protagonistas, um coro de 20 artistas, 7 músicos e mais de 30 técnicos. 

Nem poderia ser diferente. A versão atual da peça une na autoria os nomes de Chico e do Oficina e deve ser, como ele mesmo diz, atualizada no tempo. “Quando Chico escreveu a peça, por exemplo, não havia internet e hoje não há como fazer Roda Viva sem esse elemento, sem redes sociais”, diz. “Temos um presidente eleito graças a elas, então as redes não têm como ficar de fora.” É o que se viu no palco do Oficina durante o ensaio aberto na última quarta-feira. Um smartphone gigante, usado como telão para as imagens em vídeo projetadas ao longo do espetáculo, divide o espaço com os elementos originais indicados no texto, como grandes imagens de São Jorge e uma garrafa de Coca-Cola. Ao longo da peça, são feitas várias referências a Facebook, Instagram e WhatsApp, sons característicos inclusos.

O diretor JoséCelso Martinez nos ensaios da peça 'Roda Viva'. Foto: Gabriela Biló/Estadão 

A história da ascensão e queda do cantor Benedito Silva começa com o coro já em cena, quando as portas são abertas e o público chega ao som de Caravanas, música do mais recente disco de autor de Roda Viva. “O Chico de 74 anos está dando de presente para o Chico de 24 anos a canção”, conta o diretor. Enquanto a banda toca Caravanas e o coro canta – a letra refere-se à horda de gente que desembarca em Copacabana para um dia de sol nos fins de semana –, as pessoas entram e logo constatam nos telões diversas imagens dos cordões humanos cruzando rios e descampados na América Central, a caminho da fronteira do México com os Estados Unidos da era Trump; outra atualização da peça.

Chico Buarque cedeu a peça para ser remontada 50 anos depois

Benedito Silva poderia cantar com tranquilidade outra música de Chico Buarque: Vence na Vida Quem Diz Sim. Mas não canta. Seu negócio é vencer fácil na vida. Vende sua alma para o anjo negro (Guilherme Calzavara) para amealhar um sucesso após o outro. O anjo é seu marqueteiro pessoal. 

De Benedito Silva vira Ben Silver – por sugestão do anjo, que praticamente fica enojado com o nome típico de Pindorama, de origem portuguesa –, para depois fazer uma turnê internacional, ser rejeitado e virar Benedito Lampião. Durante uma crise, bêbado e acabado, Benedito encontra-se com seu amigo das antigas, Mané (Marcelo Drummond), papel originalmente interpretado por Paulo Cesar Pereio. Só que, nesse momento, ele não é mais Benedito, nem Ben, nem Benedito Lampião. Ele é Chico Buarque de Holanda, com direito à foto do autor nos telões do teatro. Uma homenagem do grupo ao Chico dramaturgo, ao Chico que cedeu graciosamente a peça para ser remontada 50 anos depois. 

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Aliás, talvez a maior homenagem ao autor seja o próprio ator Roderick Himeros, em seu primeiro papel como protagonista de uma peça do Oficina. O ator lembra muito o Chico da época, galego de olhos verdes e sorriso largo. “O anjo faz o papel do manipulador da cabeça do Benedito para que ele vire um ídolo pop”, diz o ator. “O que está por trás é, na verdade, nossa elite, quebrada, tratando as pessoas na chibata.”

O anjo negro criado por Chico Buarque tem uma comparsa de primeira hora, endiabrada, literalmente: a mídia, interpretada pela atriz Joana Medeiros. Sim, é o que está dito, a mídia é o diabo, que cobra 20% do que o anjo ganha com o agenciamento do pobre Benedito. E a transferência da grana se dá por reconhecimento digital e pelos celulares dos dois algozes do cantor. Completa o elenco principal a atriz Camila Mota, no papel de Juliana, a mulher de Benedito Silva.

“A grande diferença entre as duas montagens é que, em 1968, Chico havia assistido a O Rei da Vela e me chamou para dirigir Roda Viva já com um coro pronto, impecável”, conta Zé Celso. “Agora, criamos um novo coro, formado por atrizes e atores que já trabalham no Oficina há anos.”

A montagem original, famosa pela perseguição que integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) impingiram a artistas e técnicos da peça no Teatro Galpão, anexo do Ruth Escobar, em São Paulo (leia texto abaixo), tinha um elenco que depois ficou famoso ao longo dos anos: Antonio Pedro, Marieta Severo e Heleno Prestes, que depois foram substituídos por Marília Pera, Rodrigo Santiago e André Valli. Cenários e figurinos de Flávio Império, coreografia e preparação corporal de Klaus Vianna e direção musical de Carlos Castilho. Um time de primeira. 

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Uma curiosidade acerca da peça é que nunca mais foi autorizada a sua encenação porque, diz a lenda, o próprio Chico não gosta da peça por considerá-la imatura. Tem sentido. A única edição impressa existente é da Editora Sabiá, falecida, como seus dois sócios, os escritores Rubem Braga e Fernando Sabino. Depois disso, nunca mais Chico Buarque autorizou a reedição da obra. Tanto é que os exemplares antigos são tratados como preciosidade e vendidos a valores acima de R$ 300 em leilões virtuais.

Nem toda a aura que a peça traz consigo nos últimos 50 anos, no entanto, foi suficiente para que a trupe do Oficina conseguisse amealhar os R$ 790 mil que necessitava para a montagem atual não depender de patrocínios, por meio de uma vaquinha digital (benfeitoria.com/rodaviva). Até agora, as contribuições não passam de R$ 100 mil ou, mais precisamente, até a manhã de segunda, 3, de R$ 97.930.

Estão sendo dados, como estímulo aos apoiadores, de tijolos do prédio do Oficina (R$ 100 cada um), projetado por Lina Bo Bardi e Julio Elito, chifres de touro originais da montagem de Os Sertões (R$ 600) à túnica branca de Antonio Conselheiro usada na mesma montagem (R$ 60 mil). O apoio do Itaú Cultural e Sesc foi primordial para que a estreia fosse marcada, ainda mais depois que o Oficina, a exemplo de outros coletivos artísticos, perdeu patrocínios valiosos como o da Petrobrás. Mas, acima da questão financeira, quando as cortinas do Sesc Pompeia se abrirem na noite de quinta-feira, um novo capítulo da história brasileira será reescrito a partir dessa encenação. 

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E o Oficina daqui a dez anos? Vai continuar, por isso quero me organizar. Nosso grupo já é autogerido. 

Quem tocará o grupo? Essa geração nova que o Marcelo (Drummond) trouxe, Camila (Mota), Sylvia (Prado), Tulio (Starling). Falta só um produtor de captação de grana para nossas montagens.

São os herdeiros do Oficina? Marcelo Drummond, há 25 anos, trouxe atores maravilhosos com ele, como a Julia Lemmertz, Alexandre Borges, Leona Cavalli. Foi um presente para o Oficina. Logo que voltei do exílio tentei formar um primeiro grupo. O teatro estava em obras porque estava em ruínas. A turma do Marcelo fez o Oficina de hoje.

Planos para o ano que vem? Vamos cruzar 2019 com Roda Viva e O Rei da Vela. E retraduzi Fedro, de Platão, que será encenado por Jesuíta Barbosa, com direção de Marcelo Sebá.

Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93, tel. 3871-7700. 5ª a sáb., às 20h; dom., às 18h. R$ 15 a R$ 50. Até 9/12 

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