'Pindorama' encerra trilogia inspirada em trabalho realizado no Complexo da Maré

Espetáculo da Lia Rodrigues Cia de Dança pode ser visto em minitemporada em São Paulo

PUBLICIDADE

Por Helena Katz
Atualização:

Em arte, são poucos os trabalhos que não se pode deixar de conhecer. Na dança, um deles é o conjunto de ações que Lia Rodrigues vem, há 25 anos, realizando na sua companhia de dança e, desde 2003, na Favela da Maré, uma das maiores do Rio de Janeiro, com mais de 140 mil habitantes, ou seja, maior do que 80% das cidades brasileiras. A oportunidade de entrar em contato com ambos se oferece a partir desta terça-feira, 9, no Sesc Consolação, em uma minitemporada da Lia Rodrigues Cia de Dança, com sua mais recente produção, Pindorama, que se encerra na sexta-feira, 12, sempre às 21 horas.

Cena do espetáculo 'Pindorama', de Lia Rodrigues Foto: SAMMI LANDWEER/DIVULGAÇÃO

PUBLICIDADE

“Tem um significado especial voltar a dançar neste palco, no qual, em 1991, quando a companhia tinha um ano, estreou Gineceu, uma de minhas primeiras criações, no Movimentos de Dança, um projeto que o Sesc realizava, na ocasião”, diz ela, em entrevista telefônica.

Pindorama, nome indígena para as terras brasileiras antes da chegada dos europeus, completa a trilogia composta por Pororoca (2009) e Piracema (2011). As três traduzem de forma artística o encontro da sua companhia de dança com o dia a dia na favela.

Trata-se de uma companhia nos “moldes antigos”, que não se organiza juntando pessoas para trabalhar em um projeto. “Tenho me perguntado por que insisto neste modelo, que muitos dizem ser ultrapassado. Mas será que existe isso de uma forma de trabalhar ultrapassar a outra? Não seria mais produtivo se todas convivessem? Na companhia, nós nos encontramos todos os dias, precisamos manter um espaço para nossos ensaios e para as aulas que vão formando os bailarinos. O que eu faço exige um enorme investimento de tempo e dinheiro, por isso não sei até quando vai durar”, conta Lia.

Seu tipo de compromisso com a dança começou em 1990. “Fui bailarina nos anos 1970 e o que mais desejava era poder viver do meu trabalho. Fiz a companhia para que pessoas pudessem viver da sua profissão na dança, sem precisar correr de um lado para o outro para fazer aula. Mas sei quanto é difícil seguir com essa proposta, dada a dificuldade em manter um repertório. Repertório não se faz e se mantém rapidinho porque o trabalho perde as delicadezas. Exige comprometimento no dia a dia, depende de encontros dedicados a entender o que estamos fazendo”, analisa. 

Uma das coreografias do seu repertório, Aquilo de Que Somos Feitos, está fazendo 15 anos e continua sendo apresentada. Hoje, ela passou a ser dançada por 30 intérpretes, reunindo a companhia e o Núcleo 2, que reúne 16 jovens vindos da Escola, que hoje conta com cerca de 300 alunos. “Por muitos motivos, acredito ser especial e importante mostrar por 15 anos uma obra. O Sesc queria trazê-la, mas ficou difícil por sermos tantos. Lamentei porque ela conta um pouco da nossa história, pois a escola se tornou muito importante no meu trabalho.” A escola já formou três bailarinos para a companhia: Gabriele Nunes, Leonardo Nunes e Allyson Amâncio, que hoje segue caminho próprio. 

Para sobreviver, é necessário reunir fontes diversas de financiamento. “Como não temos um projeto de cultura que preveja modos diferentes de existir, todos competem nos mesmos editais, que apenas distribuem o dinheiro, sem um pensamento de políticas públicas que atenda a diversidade. A escola compete com a companhia, que compete com os festivais, criando uma situação distorcida, que parece cada vez mais difícil de ser mudada.” Mas ela destaca: “Nossa parceria com a Redes, criada por moradores e ex-moradores da Favela da Maré, que sofre dos mesmos problemas para se manter, nos fortalece muito, nos ajuda a seguir”.

Publicidade

A estrutura que criou depende do seu trabalho fora do Brasil. “Sei que as pessoas pensam que a cia é rica porque circulamos pela Europa. Talvez essas mesmas pessoas não saibam que em apenas 5 dos nossos 25 anos de luta sobrevivemos principalmente do financiamento brasileiro: quando ganhamos o Brasil Telecom e quando, por duas vezes, ganhamos o edital da Petrobrás. Conseguimos existir porque fico organizando o caixa todo o tempo, economizando quando aparece um aporte para fazer com que ele dure para cobrir quando não ganhamos nenhum edital. E essa não é uma situação apenas da minha companhia”, alerta Lia Rodrigues.

No momento, por exemplo, estão sendo usados recursos de dois prêmios que Lia recebeu no ano passado, o Prince Claus (www.princeclausfund.org) e uma bolsa do Council (www.houseofcouncil.org). “Eles estão ajudando a sustentar a companhia, e sempre foi assim, precisando do dinheiro que ganhei pessoalmente como artista para viabilizar a continuidade”, informa. A nova criação, prevista para 2016, faz parte dessa estratégia e, até o momento, só conta com apoios vindos de fora (da França e Alemanha). 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.