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Peça exalta vanguarda de Dona Ivone Lara

Musical que chega a São Paulo mostra luta de sambista contra o machismo

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:
Di Ribeiro, Fernanda Jacob e Heloisa Jorge interpretam Dona Ivone Lara em momentos distintos da vida Foto: Lenise Pinheiro

Suas atitudes ainda impressionam - ela pediu o namorado em casamento, e não o contrário; trabalhou de forma decisiva como auxiliar de Nise da Silveira, médica psiquiátrica que revolucionou o tratamento mental do Brasil; e, glória suprema, foi uma das primeiras mulheres a serem admitidas na ala de compositores de escola de samba e a primeira a vencer em uma grande agremiação e chegar à avenida, em 1965.  “Dona Ivone Lara foi uma pioneira. O que hoje chamamos de empoderamento feminino, ela já praticava há muitas décadas”, encanta-se a atriz Heloísa Jorge, que vive a cantora e compositora em uma fase de sua vida, no musical Dona Ivone Lara - Um Sorriso Negro, que estreia nesta quinta, 29, no Teatro Sérgio Cardoso.

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O espetáculo, que já teve uma bem sucedida temporada carioca, enaltece uma figura exemplar. Hoje aclamada como uma das grandes damas do samba, Yvonne Lara da Costa (1922-2018) enfrentou dificuldades como muitas mulheres negras de seu tempo, obrigada a se dedicar aos deveres maternos e profissionais, o que lhe deixava pouco tempo para sua paixão, a música. “O mais incrível é que ela sempre dava um jeito para ir ao samba”, comenta Fernanda Jacob, que a interpreta na fase mais madura. “O incrível é que Dona Ivone teve uma formação musical clássica, pois a mãe era cantora de rancho e o pai, violinista”, completa Di Ribeiro, que vive a jovem Ivone.

Trata-se de um espetáculo sensível, que mostra a formação de uma mulher que se impôs ao seu jeito, alternando momentos de forte presença com outros mais comedidos, pisando “devagarinho”, como se tornou conhecida essa técnica.

“Ela rompeu com os costumes machistas da época e, ao invés de se contentar em desfilar na ala das baianas, Dona Ivone foi pioneira ao se tornar compositora”, lembra Pedro Caetano, que usa seu talento no papel de Oscar Costa, com quem a musicista se casou. “Ele não gostava de roda de samba, mas sabia que ela se sentia muito bem lá, portanto, foi um companheiro valioso.”

Oscar era filho de Alfredo Costa, presidente da escola de samba Prazer da Serrinha, onde Dona Ivone conheceu alguns compositores que se tornariam grandes parceiros musicais, como Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira. “Ela reunia qualidades únicas, pois suas criações tinham sofisticação, mas também uma simplicidade que promovia a imediata identificação do povo”, observa Jarbas Bittencourt, que assina a direção musical ao lado de Rildo Hora, profundo conhecedor do samba brasileiro.

“No começo, não foi fácil a vida da Dona Ivone, pois não se aceitava mulher sambista”, conta o produtor Jô Santana. “Ela compunha, mas um primo assinava as letras.” Há uma frase, aliás, dita por ela no espetáculo, que resume bem as dificuldades femininas na época: “O amargo da vida é sempre oferecido primeiro para a mulher”. Mesmo assim, não desistiu - pisando devagarinho, mas sem vacilar, ela ingressou na Império Serrano e logo assinou verdadeiros clássicos do samba como Os Cinco Bailes do Rio de Janeiro e Sonho Meu, um de seus maiores sucessos.

“Nos dias atuais, é um orgulho montar um espetáculo protagonizado por negros”, comenta Santana que, no ano passado, quando preparava a estreia carioca, enfrentou um delicado problema ao convidar a cantora Fabiana Cozza para o papel principal - ela foi acusada por ativistas de ser “branca demais” para o papel. Mesmo tendo sido aprovada pela própria Dona Ivone, Fabiana (filha de pai negro e mãe branca) desistiu de representá-la. “Foi uma provação para o espetáculo, mas a solução de dividir o papel entre três atrizes foi proveitoso”, completa o produtor, que prepara, para 2020, a biografia de Alcione, musical a ser escrito e dirigido por Miguel Falabella.

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DONA IVONE LARA - UM SORRISO NEGRO. Teatro Sérgio Cardoso. R. Rui Barbosa, 153. 5ª a sáb., 20h. Dom., 17h. R$ 40 / R$ 150. Até 20/10 

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