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‘Pá de Cal (Ray-Lux)’ discute a terceirização das relações familiares modernas

Morte trágica de filho mais jovem dispara discussões que abrem espaço para etarismo, racismo, homofobia e preconceitos sociais

Por Dirceu Alves Jr.
Atualização:

O diretor carioca Paulo Verlings, de 36 anos, pensou no argumento de uma peça que expusesse os conflitos de uma família desencadeados por um acontecimento trágico. De posse da ideia, o dramaturgo Jô Bilac, de 38, transcendeu o óbvio e colocou em questão a terceirização nas relações de parentes de sangue pouco envolvidos emocionalmente. Com base nessa premissa, nasceu em 2019 o projeto do espetáculo Pá de Cal (Ray-Lux), que daria início às comemorações dos 15 anos da Cia. Teatro Independente em março de 2020 não fosse a paralisação pandêmica.

Cena da peça 'Páde Cal (Ray-Lux). Foto: Paula Kossatz

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A montagem foi engavetada e só ganhou os palcos em outubro do ano passado com temporadas em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. A vez de São Paulo chegou em quatro apresentações no Itaú Cultural entre esta quinta, 7, e sábado, 9, às 20h, e domingo, 10, às 19h, com ingressos gratuitos. Carolina Pismel, Leonardo Netto, Kênia Bárbara, Orlando Caldeira e Pedro Henrique França formam o elenco do espetáculo da Cia. Teatro Independente, conhecida da plateia paulistana por, entre outras peças, Cachorro (2007), Rebu (2009) e Beije Minha Lápide (2014), esta protagonizada por Marco Nanini.  Um suicídio é o fato trágico imaginado por Verlings e desenvolvido por Bilac. O filho mais jovem de uma família abreviou a vida, e uma reunião é convocada para definir o destino do patriarca (interpretado por Leonardo Netto). As duas filhas não comparecem. Uma delas é artista e tem seus interesses defendidos pela empresária (vivida por Carolina), enquanto a outra manda o marido (Caldeira) como porta-voz. A mãe do rapaz, uma antiga empregada da casa, é representada por um advogado (papel de França). Por fim, Kênia entra em cena como a ex-mulher do filho morto, desconhecida por todos, já que os dois viveram juntos fora do País.  Verlings salienta que toda a ação reforça a falta de intimidade entre estas pessoas – o que não faria diferença se os próprios membros da família estivessem presentes. Todos são estranhos e expõem suas posições dispensando qualquer afeto ou sutileza. Uma das preocupações do diretor era limar qualquer tipo de maniqueísmo na relação dos personagens, algo muito sublinhado pelas rubricas do autor. “O pulo do gato da dramaturgia se dá quando as discussões extrapolam o universo familiar e abrem espaço para etarismo, racismo, homofobia e preconceitos sociais”, reforça o diretor.  

Constelação familiar

O próprio Jô Bilac propôs que o elenco estudasse, com o acompanhamento de uma terapeuta, a sua constelação familiar durante o processo. Trata-se de uma técnica empírica que busca identificar a origem de conflitos pessoais a partir de dinâmicas em que são analisados o histórico familiar de cada participante. “É uma terapia em que cada um busca resolver questões amarradas de sua vida, desatando os nós com os pais, por exemplo, e buscando reinterpretações para os problemas”, explica o diretor. Mesmo interessado, Verlings optou por não participar das dinâmicas, observando com relativo distanciamento a busca dos atores. “Eu percebi que precisaria ficar de fora para enxergar como trabalharia o resultado disso na encenação.” 

Elenco dapeça 'Páde Cal (Ray-Ban)'. Foto: Paula Kossatz

Sempre foi Verlings quem, desde o início, em paralelo ao trabalho de ator, se dedicava à idealização dos projetos do grupo fundado em 2006 por jovens recém-formados da Escola de Teatro Martins Penna, no Rio. Além dele, Bilac, Carolina Pismel e Júlia Marini, completam o time de fundadores o diretor Vinicius Arneiro e o ator Felipe Abib, hoje desligados do coletivo. Com a saída de Arneiro, assumir o papel de encenador foi um caminho natural para Verlings. Pá de Cal (Ray-Lux) é sua quinta experiência na função, depois de Alguém Acaba de Morrer Lá Fora, Ela, Primeira Morte e Dolores, e só reforça sua responsabilidade com a palavra: “Eu continuo falando as coisas em que acredito só que de um outro jeito e isso transformou minha maneira de atuar”. O desejo de abordar nos palcos o distanciamento familiar veio de experiências dentro da própria casa. Verlings e Carolina Pismel são pais de Tomé, de 6 anos, e o diretor confessa que começou a se sentir incomodado ao ver tantos pais e mães delegarem, às vezes sem necessidade, o cuidado dos filhos a terceiros. “Queria pensar junto do público até que ponto a gente deixa de construir o afeto por causa de um ou outro impedimento e quanto disso é nossa responsabilidade”, justifica.

Pá de Cal (Ray-Lux) Itaú Cultural. Av. Paulista, 149. 5ª (7/4) a sáb. (9/4), 20h; dom. (10/4), 19h. Gratuito. Reserve ingressos em https://itaucultural-eventos.byinti.com/#/ticket/

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