'Ópera do Malandro', de Chico Buarque, se mantém atualizado com João Falcão

Um artista inquieto, diretor buscou complementos que pudessem enriquecer o produto final; musical estreia no Theatro Net

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:

O diretor João Falcão é um artista inquieto – além de ser um apaixonado por temas que envolvam o homem comum e a transcendência pela paixão, ele não se contenta com o material que tem à disposição e parte em busca de complementos que enriquecem o produto final. É o caso de Ópera do Malandro, clássico musical de Chico Buarque, que estreia para convidados na sexta-feira, 13, no Theatro Net SP. As sessões para o público começam no dia seguinte, quando também volta em cartaz Gonzagão – A Lenda, que vai ocupar as matinês do mesmo teatro aos sábados e domingo (leia mais abaixo)

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Na montagem, Falcão deu mais forças e complexidades para personagens originalmente secundários, como Barrabás, empregado do malandro que depois muda de lado. O encenador também manteve quase todas as músicas do espetáculo original, montado pela primeira vez em 1978, e ainda acrescentou músicas do disco Malandro, que Chico lançou em 1985, e também da versão para o cinema dirigida por Ruy Guerra, naquele mesmo ano.

Para isso, fez pequenas cirurgias no texto original, invertendo algumas cenas e excluindo outras. “Nem o próprio Chico notou a diferença”, diverte-se Falcão. “Havia canções do disco e do filme que ele achava pertencer ao espetáculo original.”

O motivo é que muitas músicas, como Teresinha, O Meu Amor e Pedaço de Mim, ganharam vida própria na interpretação de cantores profissionais. “Apenas deixei de fora Hino da Repressão, Desafio do Malandro e Rio 42 porque não se encaixavam, apesar de belas”, explica o diretor.

A peça conta a história do casal Fernandes de Duran e Vitória Régia, proprietários de um bordel da Lapa carioca, frequentado por bandidos e policiais e onde a relação entre a lei e o crime é promíscua. Duran e Vitória são os pais de Teresinha, menina delicada que foi enviada para o exterior para que crescesse longe da bandidagem. Ao voltar, porém, Teresinha casa-se com o malandro Max Overseas, sob as bênçãos do inspetor Chaves, o Tigrão. E a mocinha acaba por revelar um inesperado talento para o submundo ao assumir o controle do contrabando. 

Outros personagens memoráveis são Lúcia, rival de Teresinha, e o travesti Geni, apaixonado pelo delegado da cidade. “A peça se passa no Rio de Janeiro de 1940, mas seus temas principais ainda são muito atuais”, observa Falcão. “Afinal, é ambientada no mundo do crime e do contrabando e mostra como o poder pode modificar o comportamento das pessoas, mesmo das mais idôneas.”

Chico inspirou-se na Ópera dos Três Vinténs, escrita em 1928 por Bertolt Brecht e Kurt Weil, que, por sua vez, se inspiraram na Ópera dos Mendigos, de John Gay, lançada em 1728. “Brecht e Chico falam da ambição movida pelo dinheiro, que se transforma em um meio de opressão e provoca a mercantilização dos corpos e a manipulação do povo”, comenta o diretor. “E o texto do Chico continua atual pois reflete sobre o contexto social e econômico do Brasil dos anos 1970, quando ele escreveu o musical, e do século 21. Basta ver o segundo ato da peça, marcado por manifestações populares, uma insatisfação geral sobre o rumo da situação.”

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Cena do espetáculo A Ópera do Malandro, de João Falcão Foto:

Falcão acrescentou ainda outra novidade à sua montagem, essa talvez mais polêmica: todos os personagens, especialmente os femininos, são interpretados por homens – a única exceção é Larissa Luz, que faz João Alegre, o narrador, nome que evoca John Gay.

Na verdade, foi um acaso que permitiu tamanha experimentação – depois de dirigir Gonzagão – A Lenda, Falcão queria manter unido aquele grupo de atores que tão bem se entrosara e participara de um espetáculo memorável. “Eram oito homens e apenas uma mulher, na época, Laila Garin, que depois faria Elis – A Musical”, conta Andréa Alves, diretora da Sarau, produtora responsável pelos trabalhos dirigidos por Falcão. “João preferiu então manter o grupo, alternando papéis masculinos e femininos entre todos os homens e criando assim um tom brechtiano no espetáculo.”

O grupo cresceu com a vinda de outros atores, em destaque Moyseis Marques, que vive Max Overseas. Apesar de nenhuma experiência em atuação, ele conquistou o diretor pelo seu jeito e ginga – qualidades naturais de quem é um dos expoentes dos novos sambistas da Lapa carioca dos anos 2000. Moyseis soma-se, assim, ao grupo de artistas ilustres descobertos por Falcão, fileira formada por Wagner Moura, Vladimir Brichta, Lázaro Ramos e a própria Laila Garin, entre outros.

Incansável, João Falcão prepara-se agora para nova empreitada: reunir os principais personagens criados por Ariano Suassuna em um musical. “Ariano costumava criar tipos que se assemelhavam, por isso, promover o encontro deles, mesmo vindo de obras distintas, não será difícil nem causará estranhamento”, acredita.

ÓPERA DO MALANDRO

Theatro Net-SP. R. Olimpíadas, 360, Tel. 4003-1212. 6ª, 21 h; sáb., 21h30; dom., 20 h. R$ 50/ R$ 150. Até 3/5. Estreia sexta. 

Gonzagão – A Lenda volta em matinês de fim de semana

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Viagem musical pela trajetória do Rei do Baião, espetáculo retorna a São Paulo depois de ser visto por mais de 50 mil pessoas
Mais que um sucesso de público – já foi visto por mais de 60 mil pessoas –, o musical Gonzagão – A Lenda é um belo exemplo de parceria. Escrito e dirigido por João Falcão, que também assina o roteiro de canções, o espetáculo foi montado com um elenco que não se conhecia, mas que, com o tempo, se tornou inseparável. “Eles criaram uma ligação incrível”, comenta o encenador. A peça volta em cartaz nas matinês do Theatro Net SP – às 18 horas de sábado e às 16h30 do domingo.
Em cena, oito atores e uma atriz se revezam em diferentes papéis para contar a trajetória do Rei do Baião, importante figura na formação cultural de Falcão. “Foram suas canções que me ajudaram a moldar a imagem do sertão, a descobrir a importância das festas juninas, a considerar o valor da resistência do nordestino”, comenta ele. “Para mim, Luiz Gonzaga é uma figura com uma força mítica maior que a do Padre Cícero.”
Falcão não se preocupou em acompanhar a linha do tempo – além de criar uma trama que se passa no futuro, quando o sertão virou mar, ele mostra um Gonzagão sob um prisma extremamente carinhoso. Por meio de mais de 30 canções (como Asa Branca e Xote das Meninas), o espetáculo acompanha a trajetória de Luiz Gonzaga (1912-1989), da infância pobre ao músico consagrado. “Minha intenção é explicar a importância do trabalho e de como Gonzaga se transformou na cara do Brasil: um homem pobre que deixou o Nordeste para virar rei”, diz Falcão. “Trata-se da identidade alegre de uma gente sofrida.”
E, seguindo sua liberdade criativa, o diretor se permitiu rebatizar duas mulheres importantes da vida do músico, Nazarena (o primeiro grande amor) e Odalea (a mãe de Gonzaguinha) como Rosinha e Morena, respectivamente, nomes que aparecem em músicas do compositor. Também as canções não são apresentadas apenas com sanfona, triângulo e zabumba – há ainda um violoncelo, uma rabeca e uma viola.
ÓPERA DO MALANDROTheatro Net-SP. R. Olimpíadas, 360, Tel. 4003-1212. 6ª, 21 h; sáb., 21h30; dom., 20 h. R$ 50/ R$ 150. Até 3/5.

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