O livro A Vênus das Peles foi tão emblemático no fim do século 19 ao discorrer sobre o prazer de se fragilizar e se submeter ao objeto amado que o sobrenome do autor, o escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895), foi tomado “emprestado” para cunhar o termo masoquismo. Publicada em 1870, a obra narra a paixão de um nobre e uma viúva – vivenciada com dor e humilhação – e é o cerne de um jogo erótico estabelecido entre um homem e uma mulher na peça Vênus Ex Libris.
“O livro é sobre liberdade pessoal, viver seus desejos, o que não é socialmente aceito”, comenta a atriz Ana Carolina, que no espetáculo, em cartaz no centro de São Paulo, contracena com o ator Rafael Steinhauser.
Há dois anos, ele convidou Ana Carolina para trabalharem juntos, sem nada definido. Dos exercícios de improvisação da sala de ensaio, as disputas de poder entre masculino e feminino apareciam naturalmente. O universo de Sacher-Masoch, então, surgiu para os dois com o filme do diretor polonês Roman Polanski, A Pele de Vênus (2013), que, por sua vez, tem origem na peça homônima do americano David Ives, na qual uma atriz tenta seduzir um diretor teatral para conseguir protagonizar o espetáculo baseado no livro do autor austríaco.
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Nesse processo de construção de cenas, a dupla, em busca de um “olhar de fora”, convidou o diretor Luiz Fernando Marques, o Lubi, do Grupo XIX de Teatro, para integrar o projeto. A partir daí, a ideia foi buscar na própria obra original a construção da dramaturgia. Assim como no filme de Polanski, a encenação é centrada em apenas dois personagens e no caso de Vênus Ex Libris são dois desconhecidos que se encontram numa noite qualquer na região central de uma metrópole contemporânea e acabam travando um embate de submissão e poder, entre o masculino e o feminino.
O homem, que aparentemente mantém o controle tanto na sua vida pessoal quanto na profissional, guarda a fantasia de ser dominado por uma parceira sexual. A mulher, que ele conhece em um aplicativo de paquera, aceita a proposta de mimetizar a relação retratada no livro. Durante o encontro, no entanto, a situação de dominador versus dominado se inverte e isso perturba a experiência.
“A peça fala muito disso: o que se espera desses papéis já determinados e o quanto isso é aprisionador”, observa Lubi, que concebeu um desfecho contrário à impossibilidade de uma relação igualitária sugerida por Sacher-Masoch em A Vênus das Peles.
À meia luz, o público adentra o espaço da apresentação com os atores em cena, indicando que o jogo masoquista já se desenrola. O cenário elaborado pelo cenógrafo André Cortez coloca o espectador muito próximo da ação, ampliando a sensação voyeurística. A produção teve a “sorte” de localizar um lugar para a encenação que contribui para a atmosfera do espetáculo, inclusive para surpresas ao longo da história: o mezanino da sede do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), um prédio de linhas modernistas projetado no fim dos anos 1940 pelo escritório do arquiteto paulistano Rino Levi (1901-1965).
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E ainda que à primeira vista o personagem de Steinhauser, que remete a um executivo, possa trazer alguma associação à vida real do ator, que também é presidente de uma multinacional de telecomunicações, ele relata que foi trabalhoso chegar a esse homem autocentrado e cego de poder. “Eu sinceramente não me considero um poderoso. Eu sou um executivo sim, é o meu trabalho, a minha profissão e esse aqui (o teatro) é o meu ofício”, afirma.
VÊNUS EX LIBRISInstituto de Arquitetos do Brasil. R. Bento Freitas, 306. Inf. 3259-6149. 6ª e sáb., 21h, e dom., 18h, Pague quanto puder. Até 9/7 (sessão extra)