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‘Nossa vida inteira está no Stagium’, diz a diretora Marika Gidali

Criadores do Ballet Stagium, Marika Gidali, de 82 anos, e Décio Otero, de 88, estreiam o espetáculo 'Sonhos Vividos', inspirado em Elis Regina

Por Fernanda Perniciotti
Atualização:

Pensar a história da dança no Brasil é falar sobre o Ballet Stagium. Não é exagero dizer que a maior parte do que se entende por dança profissional, hoje, no País, é tributária da história da companhia criada por Marika Gidali, de 82 anos, diretora artística, e Décio Otero, 88 anos, coreógrafo. 

Há quase meio século, 48 anos, a húngara e o mineiro começaram a caminhar pelos interiores do Brasil, formando públicos e bailarinos por onde passaram. Na esteira desse caminho ininterrupto, surge mais uma obra: Sonhos Vividos, que estará no Teatro Sérgio Cardoso, neste sábado, 17, e domingo, 18, em um programa composto com Preludiando (2016). 

Ensaio doBallet Stagium na sua sede, na Rua Augusta Foto: Werther Santana/Estadão

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O motor de criação de Sonhos Vividos é a vida e obra de Elis Regina (1945-1982), que sempre esteve na trajetória do grupo. A primeira homenagem do Stagium à artista foi em 1988, seis anos após sua morte, com o trabalho Que Saudades de Elis. Além de ter sido aluna de dança do Ballet Stagium durante anos, foi nas salas da sede da companhia que ocorreu o processo seletivo de elenco e boa parte dos ensaios do show Saudades do Brasil (1980), que teve direção de Ademar Guerra e coreografia de Marika Gidali. 

“Lembro dela, ali, sentada na mesa do escritório do Stagium, enquanto centenas de pessoas entravam e saíam para participar dos testes para compor o elenco do show. Ela, sempre muito presente, de uma vivacidade...”, conta Décio Otero. 

Os projetos interrompidos com a morte precoce da cantora deixaram um gosto amargo. “Foi uma das grandes experiências da minha vida. Quando ela morreu, me senti traída. A gente tinha planos. Doeu e dói até hoje; mas existem pessoas que não morrem, continuam vivas na gente”, desabafa Marika. 

Além da trilha, outra inspiração que vem de Saudades do Brasil é o figurino composto por roupas do dia a dia, compradas a preços populares, para explicitar a precariedade: “Ali, em Saudades do Brasil, o nosso cenário era de papel e o figurino, o dia a dia de todo mundo. Assim como naquela época, hoje é um momento social em que a gente questiona muito as grandes produções. A postura do Stagium vem de lá de trás. Desde quando a gente começou a viajar pelo Brasil e víamos gente morrendo de fome. O nosso direito de dançar não pode estar apartado desse lugar onde a gente está. Por isso, a precariedade é obrigada a aparecer. Dançar para participar, com dignidade e integridade, do País”, reforça Marika. 

À primeira vista, impressiona que Décio Otero, quase chegando aos 90 anos, ainda encontre fôlego para coreografar, mas é mais do que apenas fôlego. Na trajetória de Décio, dança e vida se confundem. “Assim como a gente tem necessidade de comer um pedaço de pão, também tenho necessidade de criar para continuar vivendo. Não consigo explicar. Sei bem que quando eu parar de criar, eu morro”, acrescenta o coreógrafo.

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Altos e baixos

Apesar da importância histórica, o Ballet Stagium, ainda hoje, não tem a sobrevivência garantida. Em 2016, uma grande campanha foi realizada para que a companhia não fosse extinta. Com dívidas e sem nenhum tipo de subsídio continuado, o Stagium quase fechou as portas. “Naquele momento, a campanha ajudou muito, mas é isso, não resolveu a continuação, o dia a dia. A gente continuou sem patrocínio”, conta Marika Gidali.

Os altos e baixos são contínuos, no cotidiano do grupo. “É um ciclo. Quando parece que a gente está se recuperando, parece um novo problema. Não consigo manter o dia a dia da cia. Essa forma de trabalhar é diferente da de vários grupos que concorrem em editais, nós estamos o tempo inteiro em atividade. Não é uma reunião em torno do processo de um espetáculo. Inclusive, quando não tem edital, e não tem dinheiro, estamos aqui trabalhando”, explica ainda a diretora artística. 

Décio Otero e Marika Gidali, os criadores do Ballet Stagium Foto: Werther Santana/Estadão

Um dos grandes parceiros do grupo é o Sesc. “A gente ainda não sabe como, mas já tem o aval deles. É um porto seguro. O Sesc tem um respeito enorme pelo Stagium e é um lugar no qual a gente não precisa ficar de novo se apresentando, contando a história do grupo, a minha, a do Décio. Eles reconhecem a importância do Ballet Stagium”, explica ainda Marika.

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Além do trabalho artístico, o Stagium mantém a escola e um projeto social, o Joaninha, que começou com 70 crianças entre 7 e 16 anos que estudavam em escolas públicas da periferia de São Paulo. Criado em 2000, a ideia do Joaninha é construir uma formação em dança pautada em princípios de cidadania. O projeto, que é desenvolvido na escola do Stagium, também não conta com financiamento. 

“A gente chega a quase 50 anos de trabalho sem uma subvenção oficial. Cada dia em que a gente levanta, sei lá, parece que é o primeiro dia. A gente sempre se pergunta: será que dá para continuar? Mas sempre que eu fraquejo, ela me levanta, e vice-versa”, conta Décio Otero sobre o compromisso com a resiliência; e Marika complementa: “A gente olha os corredores do Stagium e a nossa vida inteira está ali. Não consigo explicar o motivo de continuar, mas tem uma hora que a gente perde o direito de parar, porque o que está ali não é mais só nosso. Não se pode parar. Vamos fazer tudo o que precisa ser feito até o fim”.BALLET STAGIUM Teatro Sérgio Cardoso. Rua Rui Barbosa, 153, tel. 4003-1212. Sáb. (17), 20h e  dom. (18), 17h. R$ 40 e R$ 20

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