RIO - Coreógrafa consagrada (recentemente foi premiada na Rússia com o Prix Benois de la Danse, considerado o Oscar da Dança), Deborah Colker resistiu o quanto pôde ao convite da produtora Joana Motta para dirigir um musical inspirado em um importante fato artístico da história do Rio de Janeiro.
“Eu dizia que, para mim, era impossível levantar um espetáculo em apenas dois meses – em minhas coreografias, chego a trabalhar até durante um ano”, conta uma sorridente Deborah, responsável por uma química considerada por muitos como algo impossível: promover a rara convivência entre o erudito e o popular. “Mas, ao me apaixonar pelo projeto, decidi aceitar.” O resultado é O Frenético Dancin’ Days, espetáculo vibrante, que está em cartaz no Teatro Bradesco do Rio.
É preciso passar rapidamente uma informação: não se trata de um musical inspirado na famosa novela escrita por Gilberto Braga em 1978, que ajudou a consagrar a atriz Sonia Braga, mas sim na discoteca de mesmo nome que, durante sua curta vida de quatro meses (entre agosto e dezembro de 1976), reproduziu no Rio a experiência nova-iorquina de alegria e liberdade de expressão em meio a uma ferrenha ditadura militar, que sufocava anseios e criatividade.
“Foi essa história fabulosa que me seduziu”, conta a coreógrafa, que entrou de cabeça em um espetáculo sobre um lugar e uma época “em que a amizade, a coragem, a espontaneidade e a irreverência eram valores genéticos da existência”.
Tamanha empolgação permite que, em cena, o espectador atento descubra duas Deborahs: a tradicional, cuja coreografia encarrega-se de dar personalidade aos personagens, municiando os movimentos de intenções e sentidos, e uma nova, que revela um preciso timing para a narrativa teatral, alternando dança e dramatização para manter o equilíbrio entre ficção e fato histórico.
“As chanchadas, muito mais que os musicais da Broadway, foram a grande inspiração para a concepção de Deborah”, comenta Nelson Motta, pai da produtora Joana e que divide com Patricia Andrade a autoria do texto do espetáculo. “Oferecemos uma chanchada disco que, como nos filmes de comédia que fizeram sucesso no Brasil dos anos 1950 e 60, não tem nenhum compromisso com o realismo nem com a tradição da dramaturgia, mas com o descompromisso do teatro de revista, costurando tramas simples com cenas de comédia e números de música e dança.”
Aliás, Nelson é um dos personagens principais de O Frenético Dancin’ Days, interpretado por um inspirado Bruno Fraga, dono de uma voz potentíssima – ele foi um dos idealizadores da discoteca, ao lado dos amigos Scarlett Moon (Larissa Venturini), Leonardo Netto (Franco Kuster), Dom Pepe (André Ramiro) e Djalma Limongi (Cadu Fávero).
Tudo começou quando Nelson, Leonardo e Djalma amarguravam um tremendo prejuízo com um festival de música ao ar livre acontecido em Saquarema. Apesar do sucesso de público e crítica, o evento deu um tremendo prejuízo. Foi quando Motta foi convidado por um empresário (na peça, Ignácio) que, dono do recém-inaugurado Shopping da Gávea, temia pelo fracasso, pois o espaço ainda era de pouco movimento, além de ostentar poucas lojas abertas.
Assim, ele ofereceu a Nelson que agitasse um espaço vazio onde seria construído o Teatro dos 4 – como a obra demoraria quatro meses para começar, qualquer boa ideia seria bem-vinda. “Nelsinho conseguiu que o empresário lhe pagasse uma passagem de primeira classe a Nova York, onde morava uma prima dele muito antenada”, conta Deborah. “Lá, ele visitou novos tipos de clube, como o Studio 54, que revolucionavam o conceito de boate.” Era o que depois ficou conhecido aqui como discoteca.
Munido de ideias certeiras e de uma mala abarrotada de discos com as músicas que faziam os nova-iorquinos se acabarem na pista de dança, Motta reuniu os sócios do fracassado festival ao ar livre e, ao lado da jornalista Scarlett Moon e do DJ (então chamado de discotecário) Dom Pepe, fundaram a Dancin’ Days. Foi um estouro – durante seus quatro meses de funcionamento, o espaço reunia famosos e anônimos, hippies e comunistas, todas as tribos com o único objetivo de celebrar a vida.
Artistas como Rita Lee (ainda com o Tutti-Frutti), Raul Seixas, Gilberto Gil fizeram apresentações. A pista da boate fervia ao som de Lady Zu, Banda Black in Rio, Tim Maia, além de hits internacionais como I Love the Nightlife, You Make me Feel Might Real, We Are Family, Y.M.C.A., e Stayin’ Alive, entre outros. Mas o grande feito dos proprietários da boate foi permitir que suas garçonetes também se apresentassem, originando o grupo Frenéticas.
No musical, Deborah Colker não conta com banda ao vivo, mas com uma arrojada tecnologia de edição e manipulação de samples e loopings orquestradas por Alexandre Elias e que resulta em um som impressionante, que acompanha a pulsação dos atores e bailarinos.
“Pretendi misturar linguagens, técnicas e estilos para sermos cada vez mais diferentes e únicos”, comenta a coreógrafa.