26 de julho de 2018 | 20h18
RIO - Parede verde, piso verde, poltrona verde. Ao centro, uma mulher vestida e maquiada discretamente, e que falará sem parar sobre sua vida e seus sentimentos pelos próximos 80 minutos. Apresenta-se como uma pessoa sensata, bem-casada, com três filhos saudáveis, uma casa bonita, com jardim e localizada num bairro tranquilo. Uma cidadã de classe média alta e aparentemente realizada. O que mais ela poderia querer para ser feliz, para além de sua perfeita vida burguesa?
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Quarto 19, monólogo da atriz Amanda Lyra, escancara o que toda mulher já pensou ao menos uma vez na vida: as dores e as delícias da maternidade, se encantam, também aprisionam, mexem com a identidade e a autoimagem. O sufocamento provocado pela rotina é tamanho que a personagem só enxerga saída ao escapar da casa, dos filhos, do marido, da empregada e da babá, e se trancar sozinha num quarto de hotel diariamente. Exagero? Responda só se você for mãe também.
Tratado sobre as contradições humanas e tensões entre desejo e liberdade, o público e o privado, o solo de Amanda, em cartaz até domingo, 29, no Teatro Poeirinha, no Rio, passou por São Paulo e lhe rendeu indicações de melhor atriz dos prêmios Shell e Aplauso Brasil. O texto tem por base o conto To Room Nineteen, da inglesa Doris Lessing (1919-2013), Nobel de Literatura, que já enxergava a maternidade assim em 1963. A direção é de Leonardo Moreira, da Cia Hiato.
Ora em terceira pessoa, ora em primeira, a mulher nos conta sua trajetória afetiva, a cilada em que se meteu espontaneamente: o torpor da paixão, quando viu no então namorado, inteligente, amoroso e atraente, a pessoa com quem deveria construir sua vida; o casamento, baseado não só no amor, mas também no equilíbrio emocional e financeiro; o planejar dos filhos, o primeiro, depois os gêmeos.
A decisão de largar o emprego bem pago para se dedicar exclusivamente à família e à casa; a inveja da vida livre e interessante do marido, de quem passa a depender economicamente; as suspeitas (e depois a comprovação) da traição.
O relato culmina na angústia dos dias todos iguais, as horas que voam quando as crianças estão na escola. A acomodação conjugal, a falta de diálogo com o marido antes companheiro. O ressentimento, a anulação da mulher em prol de seu papel materno. O adoecimento, as tentativas de escape. “O quarto 19 é metaforicamente um espaço para qualquer pessoa viver para além de seus papéis sociais no mundo”, conclui Amanda.
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