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Marco Nanini volta ao palco, no Rio, com 'Ubu Rei', feroz sátira política

A inexistência de uma preocupação ética nos atos de Pai Ubu tornam a peça, escrita em 1888, cada dia mais atual

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Por Ubiratan Brasil
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Marco Nanini precisou esperar quase dois anos para finalmente entrar no palco e gritar, a todos pulmões: “Merdra, merdra, merdra”. Assim mesmo, com um ‘r’ a mais. Trata-se do já clássico começo da peça Ubu Rei, escrita pelo francês Alfred Jarry em 1888 e que estreia no dia 9 de março, no Teatro Oi Casa Grande, no Rio (duas pré-estreias acontecem dias 19 e 20, no Galpão Gamboa).

Não é um encontro do acaso – enquanto Nanini solidifica sua extensa carreira de cinco décadas com autores que fogem da obviedade, Jarry construiu, ao lado de colegas de escola, um texto nonsense em que parodiava um grotesco professor de Física e seus abusos de poder. O resultado é uma peça que se tornou ícone do Teatro Moderno e influenciou movimentos como Surrealismo, Dadaísmo e o Teatro do Absurdo.

Família Ubu. Rosi Campos e Marco Nanini: hilariantes interpretações Foto: MARCOS ARCOVERDE/ESTADão

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“O texto tem uma contemporaneidade gritante”, avalia o ator. “Tanto que é fácil apontar semelhanças entre o Pai Ubu e o presidente americano Donald Trump.” A proximidade está na sede de poder e, depois de conquistá-lo, no seu uso abusado.

A ação da peça acontece na Polônia, ou seja, “em lugar nenhum”, como Jarry afirmou na apresentação do espetáculo, que estreou em 1896, no Teatro do Louvre, em Paris. Na verdade, o que lhe interessava era provocar a plateia burguesa, confrontando-a com sua própria maldade: homem sem nenhum escrúpulo, além de covarde e corrupto, Pai Ubu assassina o rei Venceslau para usurpar o trono da Polônia. 

Com a coroa na cabeça, o agora rei Ubu se revela um soberano déspota e incompetente e, depois de praticar uma política catastrófica, é obrigado a fugir de barco para a França, sempre contando com a cumplicidade da inseparável Mãe Ubu. “Ele é o primeiro anti-herói que apareceu nos palcos e, de tão exagerado na sua maldade, se torna um personagem de quem o público acaba gostando”, observa Nanini que, a fim de lapidar todo o potencial de um texto desenfreado em suas inúmeras referências, se cercou de uma equipe da pesada.

A começar pelo diretor Daniel Herz, da Cia. Atores de Laura, cujo trabalho na versão de A Importância de Ser Perfeito, de 2014, encantou o ator. “Ali, tive a certeza de que deveria trabalhar com Daniel e sua trupe”, conta Nanini. Estabelecido o contato, eles iniciaram a pesquisa de potenciais textos, mas, apesar de uma série de opções, se agarraram logo no primeiro. “Ubu Rei é incrivelmente atual, parecendo que Jarry escreveu pensando nos nossos dias”, atesta Herz. “A voracidade revelada por Ubu mostra uma pulsão intuitiva que encobre sua insatisfação, seu vazio interior. São personagens sem qualquer freio ético ou equilíbrio.” 

O texto de Jarry, adaptado por Leandro Soares, não foi abrasileirado. “Não foi preciso, pois vivemos cercados de pais Ubu”, observa Daniel Herz. “Como a estética que escolhemos é a surrealista, as metáforas vão ser entendidas e o final da história é muito brasileiro: quando se espera que o casal vai se dar mal, eles conseguem se safar. Isso prova que os perversos não sentem culpa.”

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Outro trunfo na montagem é a participação especial de Rosi Campos, no papel da Mãe Ubu, o mesmo vivido por ela em 1985, na já clássica versão dirigida por Cacá Rosset. “É interessante rever Jarry neste momento. Ele me faz pensar em Rabelais e Pantagruel”, conta ela. Herz lembra que Jarry utilizou referências de Shakespeare em sua obra. Em Ubu Rei, a inspiração básica é Macbeth, com a figura de Lady Macbeth/Mãe Ubu, que induz o marido a conspirar contra o rei e conquistar o poder.

Versão de 1985 apostou em uma encenação circens

“Na versão de 1985, resgatamos os valores circenses, o que era uma crítica aos intelectuais da USP que julgavam o circo algo reacionário”, lembra Rosi Campos, sobre a montagem dirigida por Cacá Rosset e o grupo Ornitorrinco. Ubu, Folias Physicas, Pataphysicas e Musicais ficou cerca de dois anos em cartaz, período em que a peça foi encenada também no México, Colômbia, Argentina e Espanha. O sucesso foi tão grande que Rosset lançou, em 1986, a candidatura de Pai Ubu para o governo estadual, em São Paulo – na campanha, aliás, Rosset distribuiu vale-emprego, além de cumprimentar políticos como Paulo Maluf.