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Máquina de escrever de Mário de Andrade protagoniza espetáculo

Companhia do Feijão faz homenagem ao escritor, morto há 70 anos, com a peça 'Manuela', que estreia no Sesc Ipiranga

colunista convidado
Por Leandro Nunes
Atualização:

“Tac, tac, tac, plim. Tac, tac, tac, tac, tac, ta, TAC, tac, PLIM”. A antiga máquina de modelo Remington não tinha do que reclamar. Suas teclas foram testemunhas, por exemplo, da expedição do preguiçoso Macunaíma, e de conversas com os escritores Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Drummond de Andrade(1902-1987). Tamanha intimidade com os escritos de Mário de Andrade (1893-1945) precisava ganhar corpo e voz e é o que acontece no espetáculo Manuela, da Companhia do Feijão, que estreia nesta terça-feira, 11, no Sesc Ipiranga.

“Quando Mário voltava para sua casa, após suas viagens, ele sempre trazia muitas histórias, fosse do Nordeste que deu origem a Macunaíma, ou a viagem para o Rio de Janeiro, na qual ele faz a revisão inteira do movimento Modernista”, explica a atriz Vera Lamy que concebe a personagem no texto e no palco. A intenção de criar uma figura feminina que pudesse expressar a trajetória de Mário se tornou uma busca para Vera. 

A atriz Vera Lamy no espetáculo 'Manuela',da Companhia do Feijão Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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Desde 1998, o grupo reflete sobre a vida e obra do autor que se concretizou em O Ó da Viagem, espetáculo no qual o grupo viajou para o Sertão do Cariri, entre Pernambuco e Paraíba, e seguiu os passos de Mário que passou pela mesma região, segundo registros em seu diário de viagens. Mais tarde, em 2013, os três últimos textos Café, O Banquete e A Meditação Sobre o Tietê serviram de ponto de partida para a montagem de Armadilhas Brasileiras. “E a Vera, embebida nesse caldo todo, fez uma síntese particular dela que também dialoga com todos nós da companhia”, explica o diretor Pedro Pires.

Na visão de Vera, o desejo era de se colocar como atriz e pessoa para homenagear o autor. “Muitas vezes, eu me via fazendo a pessoa do Mário. Eu queria falar as palavras dele, mas era uma mulher falando. Apesar do teatro possibilitar isso, ainda havia uma distância. Foi quando pensei em virar a máquina de escrever. Isso possibilitou falar como mulher da minha admiração por ele”, conta a atriz. Para o diretor, aquilo já estava virando uma obsessão. “Aqui, a gente já estava chamando a Vera de Paulicéia Desvairada”, dispara.

Todo o caminho percorrido na peça é acompanhado pela música de Lincoln Antonio. O pianista que já assinou montagens da Cia São Jorge de Variedades e da Cia do Latão, traz composições originais, além de musicar as poesias e mesclar com cantores que o próprio Mário apreciava. “É difícil falar dele sem pensar nos compositores que ele próprio amava, como Villa-Lobos e o Ernesto Nazareth. Além disso, também incrementei com outros instrumentos para não ficar apenas no piano. O Maracá e a zabumba, por exemplo, ajudam a evocar esse ambiente indígena nos trechos de Macunaíma”, explica Antoni.

E o desejo e apreço por levar as obras do escritor para os palco vem, em parte, do próprio desafio de compreender as obras de Mário. Para apontar um caminho possível, Vera cita um trecho de A Rosa do Povo, de Drummond, que escreveu após a morte do amigo: “Mais perto e uma lâmpada”. E explica: “Quem se aproxima da obra de Mário, entende, mas tem que se aproximar. A gente procura essa forma de aproximação no teatro, isso não quer dizer facilitação. O teatro abre possibilidades dessa mensagem chegar por outro canal. Nem dificultar nem facilitar, mas aproximar”.

Após Manuela, o grupo apresenta ainda seu Armadilhas Brasileiras, que parte da crise econômica mundial de 1929 e do impacto sobre os trabalhadores rurais e portuários brasileiros.

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Pires ressalta que o teatro precisa de artistas como o morador da Rua Lopes Chaves, 546, homenageado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), desse ano. “Nossas criações estão ligadas a outros artistas brasileiros de outros tempos. Nas obras de Mário, reconhecemos temas e formas que continuam fazendo sentido. Ele entrou em atrito com a realidade dele e nós entramos em atrito com a nossa. Isso nos ajuda a tomar a dimensão do tempo e da formação cultural brasileira. Não dá para olhar para o futuro, sem olhar para Mário.”

SERVIÇO:

MANUELA. Sesc Ipiranga. Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga, 3340-2000. 3ª e 4ª, 21h30. R$ 6/R$ 20. Até 7/10. 

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