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Livro resgata trajetória de 25 anos do Teatro da Vertigem

Obra resgata a trajetória do grupo que anarquizou o palco italiano

Por Leandro Nunes
Atualização:

Igreja, hospital, presídio e o Rio Tietê. Antes da fundação do Teatro da Vertigem, esses lugares jamais teriam sido cogitados para abrigar uma peça de teatro em São Paulo. A história sobre a trajetória da companhia, criada em 1992, está no livro Teatro da Vertigem, lançado neste domingo, 19, pela Editora Cobogó. A obra reúne ensaios, textos críticos e fotografias.

Para entender um dos grupos teatrais mais importantes do País – que lançou artistas como Matheus Nachtergaele e Mariana Lima –, é preciso considerar os “reis” daquele momento. Nos anos 1980, a cena paulista foi marcada pela figura do grande encenador e sua assinatura particular, como o teatro de Antunes Filho, os espetáculos de Gerald Thomas e as festividades cênicas de Zé Celso. “Para os jovens artistas, havia um certo incômodo com o palco italiano”, lembra Antonio Araújo, diretor do grupo. “Junto com a retomada da democracia, após a ditadura, também surgiu o desejo de trabalhar de uma forma menos hierárquica, onde a criação não estivesse centralizada em uma pessoa.”

'O Livro de Jó'. O ator Matheus Nachtergaele estreou como o personagem bíblico na peça encenada em um hospital Foto: EDUARDO KNAPP

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Com a estreia de Paraíso Perdido (1992), na Igreja de Santa Ifigênia, o Vertigem anunciava a descrença do homem contemporâneo. Na temporada, o diretor sofreu ameaças de morte, e um grupo religioso militou contra a encenação do poema de John Milton.  Em 1995, o grupo estreava o assombroso O Livro de Jó, em um hospital abandonado e que teve Nachtergaele no papel principal. Na peça anterior, o ator tinha sido Lúcifer. “Lembro que éramos um grupo de jovens artistas muito inquietos. Essa energia se manifestava na ocupação da igreja, do hospital, como lugares cheios de memória e tabus também”, conta o ator. O espetáculo premiadíssimo se encarregava de uma estética hiper-realista, como explica a professora, pesquisadora e organizadora do livro, Silvia Fernandes. “Os espetáculos eram como ataques sensoriais que extrapolavam o que chamamos de real. No caso de Jó, ele estava nu em cena, coberto com uma substância semelhante a sangue e pendurado de cabeça para baixo.”

Na montagem que encerra a Trilogia Bíblica, o grupo encarou o tema da violência e do encarceramento no auge do debate sobre Carandiru. Em Apocalipse, 1,11, o Vertigem ocupou um presídio abandonado acentuando o debate de um tema público com uma experiência que não poupava ninguém. “Na cena da execução dos presos, os atores formavam um corredor polonês, com a plateia no meio. A luz se apagava e ouviam-se sons como tiros”, diz Silvia.

Para a pesquisadora, o traquejo teatral de Araújo aliado à discussão de temas de interesse nacional fortaleceram a criação, seja com os parceiros fixos, como o iluminador Guilherme Bonfanti, até artistas convidados, como o dramaturgo Luis Alberto de Abreu, e os escritores Fernando Bonassi e Bernardo Carvalho, autor de BR-3 (2006), encenada no leito do Rio Tietê. A peça investigava a identidade nacional a partir de três cidades, Brasília, Brasileia e Brasilândia, e observava o fenômeno de crescimento dos evangélicos. O público acompanhava a história a bordo de embarcações, e a iluminação do espetáculo anunciava as cenas em diversos pontos do rio, como uma câmera dirigindo o olhar do espectador, ao que o crítico francês Jean-Pierre Thibaudat observou ser “o primeiro travelling aquático da história do teatro”.

De sua experiência mais radical, o Vertigem apostou em um passeio pelo centro de compras do Bom Retiro e a pesquisa sobre consumo e trabalho. Em Bom Retiro, 958 Metros (2012), o grupo propôs um espetáculo itinerante na região, que incluía um pequeno shopping e o trânsito, terminando no Teatro Taib, marco da resistência à ditadura, mas, na ocasião, abandonado. “É muito simbólico que, na primeira vez que o Vertigem ocupe um palco italiano, esse espaço esteja destruído”, afirma Silvia.

Os 25 anos da companhia podem apontar certa filiação com artistas de outras épocas e até grupos mais jovens, como o Grupo XIX de Teatro e a Cia São Jorge de Variedades. Para Araújo, há a referência dos Situacionistas, movimento internacional nascido na Itália, nos anos 1960, que ocupava o espaço urbano com suas derivas, como a redescoberta da cidade e a construção de uma nova relação de afeto com ela. “Nesse caso, não se tratava de teatro, mas de artes visuais. Mesmo assim, existia o claro interesse no diálogo com o espaço público.” Nachtergaele acrescenta o coletivo catalão La Fura dels Baus. “Foram influência para nós.”

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O diretor anunciou que o Teatro da Vertigem está gestando um novo projeto. O convite é para a criação de um espetáculo em Bolonha, na Itália, ainda sem tema. “A previsão é para o fim de 2019, início de 2010.”

TEATRO DA VERTIGEM. Org.: Silvia Fernandes Editora: Cobogó (336 págs.; R$ 80)

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