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'Justa' é thriller noir que investiga serial killer de políticos corruptos

Peça de Newton Moreno, propõe história de suspense ambientado em um Brasil sedento do sangue de seus reis

Por Leandro Nunes
Atualização:

Desde o começo de Justa, espetáculo que celebra os 20 anos da do grupo mineiro Odeon Companhia Teatral, vislumbra-se um Brasil que superou a discussão política baseada no espectro das posições esquerda e direita. O que deveria ser muito positivo.

Em cartaz no Sesc 24 de Maio, o espetáculo com dramaturgia de Newton Moreno encontra no meio de tanta desesperança uma trincheira vazia para olhar o País, mas sem deixar de ser alvejado por ele. A peça dirigida por Carlos Gradim se apoia no clima do cinema noir e do suspense policial para contar uma história sobre a investigação de um serial killer que tortura e mata políticos brasileiros corruptos. “A gente empresta esses elementos do cinema e do melodrama para acompanhar um Brasil em estado de pós-guerra, nos estertores da violência”, afirma o autor.

Propina. Rodolfo Vaz é investigador que conhece a prostituta Justa, vivida por Yara de Novaes Foto: ELISA MENDES

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No palco, há uma variedade de personagens a se conhecer. O ator Rodolfo Vaz encarna um policial de Brasília que só estava aguardando a aposentadoria chegar para encerrar os trabalhos prestados à segurança pública. Isso até encontrarem o corpo de um deputado com marcas de violência, e com o estômago lotado de dinheiro da propina que recebeu no exercício de seu cargo. “Trata-se de um assassino que conhece muito bem os políticos, seus segredos, e os coloca em situação de privação, até que morram”, explica Moreno. 

A investigação leva o policial para “O Colégio”, um prostíbulo nos arredores de Brasília, e lá que a atriz Yara de Novaes desempenha os papéis mais interessantes da trama, interpretando todas as funcionárias da casa, incluindo a prostituta Justa. “O grupo me procurou para escrever uma peça, inicialmente, sobre prostituição, mas o tema foi se desenvolvendo até chegar a este formato”, conta Moreno. “Trabalhar com Yara já era um desejo antigo.”

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Para o autor, a agenda política brasileira não é objeto direto principal de abordagem, embora haja referências de escândalos recentes do Congresso ao Planalto, como malas de dinheiro e cortes no orçamento da merenda. Em Justa, é mais importante que as mulheres estejam no centro da história. “Apesar do investigador, um homem que narra, as prostitutas que mobilizam a trama, cada uma com sua história, e modo de pensar o próprio trabalho, considerado imoral e precário pela sociedade em geral”, explica o dramaturgo, que tem letra afiada para conceber mulheres em suas peças. 

Autor de Agreste (2004), que retrata a vida de um casal de lavradores, Moreno vê no âmbito dessa criação uma vereda de transformação para suas personagens femininas. “Lá elas viviam o destino que lhes foi designado, não havia escolha. Então, Justa é uma antítese de Agreste, com mulheres que adolesceram e já não se contentam com o papel que a sociedade quis para elas.” Uma fortaleza do feminino com a fisionomia da deusa romana Justiça. 

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'Falo as mesmas coisas que todo público diria', diz Yara de Novaes

Sem rede de proteção, Yara de Novaes interpreta um bordel inteiro de mulheres que têm o leito como sagrado

O teatro precisa rir de si mesmo. Melhor ainda se for uma atriz que encarna um bordel inteiro chamado ‘O Colégio’. Yara de Novaes, em cartaz com Justa, texto de Newton Moreno, celebra os 20 anos da Odeon Companhia Teatral, com Rodolfo Vaz. 

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Se a direção de Carlos Gradim encara o desafio de entregar uma história mergulhada na mente do investigador, clareiras se abrem com o desempenho da atriz que vive Justa, a prostituta cega mais desejada pela classe política do prostíbulo. “Estávamos pesquisando as memórias da prostituta Gabriela Leite, um ícone de mulher que defendeu o ofício.” A prostituta morta em 2013 foi, entre outras coisas, fundadora da ONG Davida, de apoio às profissionais, e idealizadora da grife Daspu. “A gente queria captar essa energia agregadora, que questiona o modo como a prostituição ainda é vista, reconhecendo sua função reguladora na sociedade.”

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Na peça, esse elemento virou caminho para a investigação de uma série de assassinatos, com direito a descrições mórbidas. A prostituta cega é uma das suspeitas, como as colegas, todas encarnadas por Yara, sem que a atriz tenha apoio de recursos cênicos que criem emendas na interpretação. Diferentemente dos políticos, Yara faz tudo às claras: no instante em que vive a prostitura manca, vai em segundos para Nordestina, a dona do bordel, e rapidamente para “a pedagoga” – que ensina jovens virgens a satisfazer seus futuros maridos. “Tenho que ter um temperamento corporal e é difícil. Em cena sou quase uma brincante, que abre portas. Gosto de interpretar personagens que vão na contramão do que esperam de uma atriz como eu.”

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Em cartaz até o dia 22, a peça é coroada na última cena com um pequeno monólogo sobre o abismo moral que separa o Brasil. “Sinto que estou falando o que todo mundo diz, na plateia e por aí.”

JUSTA. Sesc 24 de Maio. Teatro. R. 24 de Maio, 109, República, tel.: 3350-6300. 5ª a sáb., 21h; dom., 18h. R$ 12/R$ 40. Até 22/7.

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