Grupo Razões Inversas estreia ‘Heather’, uma ficção contra tempos polarizados

Texto embaralha identidades e aposta no debate ético do artista por trás da obra; peça estreia no Sesc Pinheiros, em São Paulo

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Por Leandro Nunes
Atualização:

O esforço do dramaturgo inglês Thomas Eccleshare em descrever as paisagens do livro ficcional de Heather lembra o estilo dos autores de Game of Thrones, O Senhor dos Anéis e Harry Potter. Na trama da peça, que ganha temporada nesta quinta-feira, 17, no Sesc Pinheiros, há muitos mistérios a se descobrir até a última cena. 

Na verdade, a tônica de “não se deve julgar um livro pela capa” pode ajudar a plateia a percorrer a dramaturgia encenada pelo grupo Razões Inversas, na direção de Marcio Aurelio. A obra experimentou apenas duas apresentações na programação do Cultura Inglesa Festival 2019. Faltava agora entrar em temporada. 

'Heather'. Laís Marquese Paulo Marcello Foto: João Caldas Fº

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Nesse intervalo, não apenas as obras ganham tempo para amadurecer, mas seus artistas também conseguem ajustar o olhar, que parte da história e toca a realidade. O que a atriz Laís Marques vê é o desafio. “O teatro sempre esteve interessado em embaralhar as coisas, confundir. Nesse mundo polarizado que atinge a todos nós, a peça responde oferecendo a transformação”, conta a atriz que compartilha o palco com Paulo Marcello.

E as mudanças estão lá. Dividida em três narrativas, a peça de Eccleshare pretende saborear o texto falado em diferentes instâncias, o que permite ofuscar e esconder quem está falando. Na primeira parte, uma autora conversa com o responsável pela edição de seu livro infantojuvenil. A conversa é de entusiasmo, já que a obra de estreia da autora foi devorada pelo público e eles querem mais. Trata-se da saga de Greta, uma heroína que tem como inimiga uma criatura horrenda. Suas batalhas têm dimensões épicas.

É possível prever que a última cena da peça descreve o embate entre as forças do bem e do mal, mas antes que isso ocorra, o texto questiona qualquer visão mais radical da vida, afirma a atriz. “Antes que o público tenha acesso à narrativa, o encontro entre o editor e a autora é de muito estranhamento.” 

A explicação é clara. A autora vive reclusa e deseja que as negociações pelo título ocorram exclusivamente por e-mail. “A primeira cena descreve essa conversa online entre os dois. É preciso ficar atento porque eles não são quem dizem ser. E isso cria uma reviravolta na história”, diz Laís. 

Quando a reportagem entrevistou Aurelio, na estreia de Heather, em maio, o diretor explicou que Eccleshare deseja debater um assunto antigo, sobre a natureza da criação artística e a identidade do criador. “Ele recupera um pensamento do poeta italiano Torquato Tasso, do século 16, sobre a propriedade de uma obra. Quem é o dono? O autor ou o financiador?” “Nos dias de hoje, com os incontáveis agentes envolvidos na criação, a equação não é nada simples”, afirmou.

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É um debate ético com bastante apelo. Trata-se de algo que não atinge apenas os autores. Artistas da música e do cinema precisam enfrentar a crítica dos fãs por suas más condutas. Denúncias e crimes são capazes de arruinar carreiras públicas. Todos perdem. “Essa ideia de quem é o artista por trás da obra pode assustar. O que fazer? Cancelar tudo que ele criou? Há caminhos para que ele possa se redimir?”, questiona a atriz.

HEATHER

SESC PINHEIROS. RUA PAES LEME, 195. TEL.: 3095-9400. 5ª, 6ª, SÁB., 20H30. R$ 30 / R$ 15. ESTREIA HOJE, 17. ATÉ 16/11 

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