PUBLICIDADE

Grupo Contadores de Mentira lança a quarta edição do Festival E(s/x)tirpe

Com o impacto da pandemia, a edição de 2020 foi transferida para este ano e o tema ‘Ode aos Profanos’ fala diretamente a um teatro latino americano

Por Leandro Nunes
Atualização:

Lá no início dos tempos, o teatro se forjou no pacto. De um lado, os artistas, como representantes de divindades e da natureza, e do outro, a plateia, sempre curiosa e atenta. Mesmo diante de um rito histórico tão bem ensaiado, as tragédias e pandemias conseguiram criar abismos. Mas essa distância que marca as ausências também pode ser oportunidade de uma nova aproximação.

Cena do espetáculo 'Adiós Ayacucho', do Grupo Yuyachkani, no Festival E(s/x)tirpe. Foto: Luiz Rodriguez Pastor

PUBLICIDADE

Na sexta-feira, 13, o grupo Contadores de Mentira lança a quarta edição do Festival E(s/x)tirpe, que reúne o trabalho de artistas e pesquisadores do Brasil, Peru, México, Argentina, Cuba, Paraguai, Equador, Espanha, Moçambique e Colômbia, até o dia 29 de agosto, no canal da companhia no YouTube.

Apesar do ambiente online agregar a transmissão dos trabalhos, não é a primeira vez que o Contadores experimentou o tamanho das distâncias.

Fundado há 25 anos, o grupo radicado em Suzano - há 50 km da capital paulista - lançou a primeira edição do festival como uma ação de protesto. Com dificuldades para aprovar o funcionamento do espaço teatral na cidade, os integrantes construíram um local provisório que servisse para amparar poesia e revolta, conta o ator e diretor Cleiton Pereira. “Tivemos problemas com alvará e nos apresentamos nesta casa simbólica. Ali percebemos que nascia um tipo de dramaturgia.” Logo em seguida, o grupo incendiou a casa.

Semelhante provocação se deu em 2016. Ao repensar as despesas com aluguel do espaço e a relação ainda distante com a plateia local, o Contadores encontrou na despedida uma chance de restaurar relações. “Vale a pena pagar aluguel em uma cidade que não prestigia os artistas locais?”, o grupo se questionou à época, lembra Pereira. “Ficamos um tempo pensando se deveríamos sair de lá e buscar propostas fora da cidade.” A solução veio na forma de um corajoso convite ao público.

“Amarramos um barco em uma árvore, sugerindo à cidade se deveríamos atracar ou tocar o barco. Eles escolheram que a gente deveria ficar. Então hoje nossa luta é por espaços públicos.” 

Desde 2018, o grupo conseguiu a cessão de um espaço público na cidade para construção de sua sede, diretamente inspirada no modelo do Teatro de Contêiner da Cia Mungunzá, inaugurada em 2017, na região da Luz, conta Pereira. “Aqui é uma área de mil metros quadrados, também com o uso de contêineres. Já investimos mais de R$ 200 mil.”

Publicidade

Cena do espetáculo 'De Repente', do Festival E(s/x)tirpe. Foto: Giulia Martins

Com o impacto da pandemia, a edição de 2020 foi transferida para este ano e o tema ‘Ode aos Profanos’ fala diretamente a um teatro latino americano, explica o ator e diretor. “No nosso grupo, pessoas ficaram doentes, pessoas nos deixaram. Ao mesmo tempo em que todo mundo tentava entrar na onda dos vídeos, e rodeados pela morte.” 

Para ele, a edição virtual do E(s/x)tirpe reconhece o afastamento causado pela pandemia mas não se nega ao encontro. “O corpo não é permitido, mas podemos torcer pelo outro. Ao entrar em contato com isso, nos tornamos multiplicadores.”

Nesta quarta edição, se destacam espetáculos como Adiós Ayacucho, do Grupo Yuyachkani, em uma forte fábula que resgata casos de violência no Peru nos anos 1980, também inspirada no romance de Julio Ortega. Na montagem, um fazendeiro decide viajar até Lima para pedir ao Presidente que o ajude a recuperar as partes perdidas de seu corpo.

Em La canción del Sicomoro, a memória dos mortos se apresenta na montagem do Contraelviento Teatro, do Equador. No solo, uma mulher ouve o chamado de outra, que foi assassinada em seu quarto. Seu nome? Desdêmona, de Otelo. A peça acompanha o testemunho da personagem shakespeariana e sua dor na atualidade.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Para Cleiton Pereira, a pandemia é um alerta ao mundo, em especial à América Latina. “Quando tivemos nosso momento de júbilo?”, questiona o ator e diretor. “A América Latina sempre foi um quintal social do mundo, e é preciso preservar suas forças no teatro de grupo. A arte, como a guerra, também se ocupa dos espaços, para ser testemunha do tempo.”

O Contadores também se apresenta na programação com a microssérie Rito. Passos para quem partiu. Na performance, os integrantes da companhia saem em marcha da sua sede em Suzano e caminham até a nascente do Rio Tietê, na cidade de Salesópolis. Em cada passo, a memória de uma das mais de 550 mil vítimas da covid-19 no Brasil. “Será uma saudação ao povo que se foi, que não está aqui, em direção à vida. No final, vamos dançar para o tirano cair”, conta Pereira. 

Além do festival, o grupo deve fazer sua primeira estreia no cinema no final de outubro, com o filme que celebra os 25 anos da companhia. 

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.